A ideologia da Resistência

A resistência africana foi desde o seu início objecto de interpretações diversas por parte dos estudiosos. Nesse contexto surgiram diferentes
posicionamentos, que se identificavam ou com os defensores do coloialismo ou as correntes anticoloniais ou, até, que historiadores que se pretendiam isentos.

Para os defensores do colonialismo a resistência armada teve um carácter irracional e desesperado. Foi resultado da superstição. As populações estavam satisfeitas com a dominação colonial e só participaram nas Reacções de resistência por que foram trabalhadas por feiticeiros curandeiros. 

Por seu turno as correntes anti-coloniais europeias, que defendem a resistência africana, consideravam que os africanos não tinham muita coisa no seu modo de pensar "tradicional"que pudesse ajudá-los a reagir efectiva ou concretamente às agressões ao seu modo de vida. As ideologias de revolta foram consideradas "magias do desespero", votadas ao malogro, sem perspectivas de futuro. Assim vistos, os movimentos de resistência, estavam condenados ao fracasso. Mais recentemente, os historiadores da resistência tentaram combater essas ideias, tanto atribuindo à revolta ideologias estritamente profanas, como saneando as ideologias religiosas.

A resistência, em África, foi um fenómeno generalizado e organizado A principal ideologia profana da resistência africana é o princípio da soberania. No essencial, este princípio considera que a resistência africana surgiu em resultado da alienação da soberania africana. Como diz Jacob Ajayi "os dirigentes africanos enquanto guardiães da soberania do povo, eram hostis a todos os poderes que desafiassem tal soberania"

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Alguns dos principais líderes africanos, como Machemba do reino Yao, Hanga de Bárue, Hendrik Wittboi e Maherero do Sudoeste africano entre outros, mostraram, em declarações proferidas diante da ameaça europeia, a sua determinação para defender a soberania dos seus povos. Portanto, não restam dúvidas que a necessidade de manutenção da soberania é que ditou o desencadeamento da resistência africana. Face a esta situação, podem ser feitos alguns reparos.

Primeiro, é preciso notar que nem sempre os dirigentes africanos foram reais guardiães da soberania do povo. Por exemplo, no século XIX, surgiram novos estados cujos reis tinham imposto o seu poder com base na tecnologia militar europeia. Nesses estados o esforço de resistir à ocupação era prejudicado pela insubordinação de alguns súbditos que não viam legitimidade no poder assim estabelecido. Por outro lado, mesmo nos estados estabelecidos há mais tempo e cujos dirigentes tinham conquistado legitimidade não se pode imaginar que em todos eles os reis gozassem de total apoio popular. De facto em alguns desses estados os reis aumentaram bastante seu poder, tornando-se autênticos tiranos, graças ao comércio que no século XIX permitia-lhes obter riquezas e armas. Quando isto acontecia os reis perdiam o apoio popular na resistência contra os europeus e, pelo contrário, enfrentavam a chamada "resistência popular contra a classe dirigente" o que, por vezes, levava ao fracasso da resistência à ocupação europeia. Ainda em torno da ideologia da resistência, importa destacar o papel da religião, no contexto da resistência africana. Veja, pois, a seguir como é que as ideologias religiosas influenciaram a resistência africana.

O Papel das Ideias Religiosas

Estudos mais recentes sobre o papel das ideias religiosas na resistência africana revelam que, ao contrário das teorias sobre os fanáticos
feiticeiros - curandeiros ou da magia do desespero, as doutrinas e símbolos religiosos apoiavam-se, normalmente, nas questões da soberania
e da legitimidade.

Em regra o poder dos chefes africanos era legitimado por rituais e, como tal, todas as acções dos chefes, incluindo a mobilização do povo para a resistência, eram suportados por símbolos e conceitos religiosos. A forte ligação entre o poder e a religião levava a que, muitas vezes, a derrota militar conduzisse a uma profunda crise de legitimidade pois as derrotas militares tiveram, não só repercussões políticas, mas, também religiosas, já que levavam à destruição dos objectos rituais, à fuga dos adivinhos, ou a destituição ou morte dos oficiantes dos cultos.

Alguns dos maiores movimentos de resistência em África surgiram na sequência das crises de legitimidade resultante de derrotas militares e tinham como finalidade redefinir tal soberania. Quase sempre esses movimentos eram estimulados por chefes religiosos que traziam para o movimento uma mensagem de unidade mais ampla, em torno de um ideal
religioso.

Esta realidade verificava-se tanto com o Islão, como com o Cristianismo e com as religiões africanas. A revolta de 1896 na Mashonalândia (actual Zimbabwe), a revolta de Bárue de 1917, a revolta Maji Maji de 1905 no
Tanganyica, ou a revolta Xhosa liderada por Makana, entre outras inspiraram-se em ideologias religiosas. Mas qual foi, afinal, o impacto das ideologias religiosas na resistência africana?

Existem diversas interpretações sobre o papel das ideologias religiosas na
resistência africana. Na verdade alguns estudiosos consideram que o papel das ideias religiosas na resistência foi sobrevalorizado, enquanto para outros é o papel da resistência na religião que foi sobrevalorizado. Na verdade, as ideias religiosas constituíram um suporte de grande valor para os movimentos de resistência, tanto ao permitir aglutinar a população em torno de um ideal religioso, conseguindo assim a união que não seria possível a volta de qualquer outro elemento, como ao animar o próprio movimento pela convicção da protecção dos deuses.

Não obstante, as ideias religiosas, tiveram, a dado passo, um efeito pernicioso para a resistência ao alimentar nos guerreiros a ideia de sua
invulnerabilidade aos ataques inimigos em razão da protecção dos "seus".
De facto esta convicção acabou conduzindo as revoltas ao malogro, pois
não lhes permitia avaliar convenientemente a correlação de forças entre si
e o inimigo que iam enfrentar. 

Consequências e Relevância da Resistência Africana

É um facto que a resistência africana vista sob o ponto de vista daquilo que era o seu principal objectivo - a preservação da sua soberania face a ameaça europeia - foi um fracasso. E, por que se considera que foi um fracasso? Tem alguma ideia, caro estudante, sobre isso? Esta avaliação baseia-se no facto de se reparar que volvidos 30 anos após o início das campanhas de ocupação, quase todo o continente africano caiu sob domínio dos europeus.

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Esta observação não esgota, porém, o impacto da resistência africana. Sem que tenha sido seu propósito, a resistência produziu resultados de muito maior alcance na história da África. No que se refere à soberania é preciso dar mérito aos movimentos de resistência para o sucesso do nacionalismo e na reconquista da referida soberania. Tendo sido depositárias de ideias religiosas, os movimentos de resistência contribuíram para o surgimento de agrupamentos em torno de ideias, sejam elas quais forem, opondo-se ao agrupamento de base tribal, característico dos movimentos primários.

A seguir veja a periodização da resistência africana.

Breve Periodização da Resistência
Ao longo dos cerca de 30 anos que durou a resistência africana podem se
identificar duas fases:
• 1880 a 1900
• 1900 a 1914
Na primeira etapa a conquista de África pelos europeus baseou-se ora na
diplomacia ora na invasão militar ou então nas duas formas. Esta época
foi marcada por uma intensa corrida aos tratados seguidos, na maior parte
dos casos, de invasões, conquistas e ocupações por exércitos europeus.

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aliança e a submissão temporária.
Na segunda fase (1900 – 1914), ocorre numa altura em que a maioria dos
exércitos africanos tinham sido vencidos e seus chefes fugido, mortos ou exilados, na sequência das acções iniciais de conquista europeia da
África.
A resistência passou a ter como objectivo a reconquista da independência,
eliminação das práticas opressivas do colonialismo ou acomodação no
sistema.
As formas de luta nesta fase passaram a incluir a revolta, as greves, os
abaixo assinados, a sabotagem, a não colaboração, etc

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