Na Idade Média (séc. XI ao XIV), surgiu uma actividade económica regional e inter-regional (com feiras periódicas como as de Flandres e Champagne). As trocas urbanas- rurais e o comércio mediterrâneo tomaram novo impulso.
Apesar da intensificação económica, o pensamento económico medieval também era dependente e subordinado à filosofia ou à política. A Igreja exerceu um grande poder sobre o pensamento económico da Idade Média. A propriedade privada era permitida, no entanto, deveria ser usada com moderação.
As ideias económicas
A Igreja exerce uma poderosa influência na vida de toda a Idade Média, cujo pensamento também domina. Teólogos, canonistas e moralistas são os mestres de então e as suas fontes são os livros sagrados e, para alguns, as obras de Aristóteles, “A Moral” e, sobretudo, a “Política”. Na religião cristã, o pensamento económico vai buscar a concepção moral: tratar-se-á, para os autores da época, de “moralizar o interesse pessoal”. E esse princípio de moderação vai imprimir o seu cunho principalmente às ideias relativas à propriedade e ao lucro. A Aristóteles vai buscar principalmente a concepção do “equilíbrio” necessário a todas as coisas, intimamente ligada à anterior e expressa sobretudo através da constante preocupação de realizar a “justiça nas trocas”.
- Princípio de moderação: tornar moral o interesse pessoal
- 1. O princípio de moderação domina a concepção medieval de propriedade
A propriedade privada é admitida como legítima. Mas não se trata de um direito absoluto. A sua legitimidade repousa em:
Argumentos individualistas: o homem tem necessidades constantes; para garantir a sua satisfação pode apropriar-se dos bens produtivos. Mas só por esse meio poderá constituir as reservas de recursos necessários para as eventualidades futuras. Além disso, reconhece o direito natural, ao homem, a posse e o gozo das suas energias físicas e intelectuais. O direito à propriedade deve, portanto, estender-se a tudo quando a sua actividade lhe permita adquirir. Mas se a propriedade privada é legítima e confere direitos ao seu titular, também lhe impõe deveres por ter este instituído uma função social.
Argumentos de ordem social: como a propriedade se legitima por motivos de ordem social, deve-se impedir que desse direito abuse o seu titular em detrimento da colectividade. A exagerada ampliação desse direito, em benefício de um só indivíduo, é condenada, porque daí resultaria, por um lado, um excesso de fortuna (e, por conseguinte, a criação de novas necessidades supérfluas, que a moral reprova), e, por outro, ficar a maioria dos homens privada desses bens.
Em consequência de se reconhecer a legitimidade do direito à propriedade privada, aceita-se também a desigualdade de condições daí resultante. Esta se justifica, aliás, em virtude da diversidade dos serviços sociais. Todavia, jamais deve a desigualdade ser levada ao extremo: terá de ser igualmente moderada. É sobretudo para a “consciência pessoal” que o pensamento da Idade Média apela: a moderação no uso do direito de propriedade, por parte do seu titular, constitui essencialmente um assunto entre ele e Deus.
Dignidade do trabalho humano
A ociosidade é formalmente condenada; exalta-se o trabalho, tanto manual quanto intelectual. Isso, aliás, não significa que fossem todos os ramos de trabalho igualmente apreciados. A Idade Média, directamente inspirada na distinção feita por Aristóteles em duas crematísticas, diferencia dois grupos de actividades:
Compreende todas aquelas nas quais o trabalho é aplicado à produção da riqueza directamente utilizável pelo homem. Os trabalhos agrícolas, tal como na Antiguidade, são particularmente apreciados; a seguir vêm os trabalhos industriais e os de administração;
O segundo grupo é o daquelas actividades nas quais o trabalho aplica-se à obtenção de riquezas artificiais e, portanto, são admitidas com reserva.
Princípio de equilíbrio
Na Idade Média, o pensamento económico estava subordinado à moral. E para que a justiça seja alcançada, é necessário que a troca realize um equilíbrio entre os interesses em jogo. É preciso que o preço seja “justo”. Os escolásticos vão se esforçar por deixar clara esta noção: justo preço é aquele bastante baixo para poder o consumidor comprar, sem extorsão, e suficientemente elevado para ter o vendedor interesse em vender e poder viver de maneira decente. As visões económicas e morais vão levar os teólogos a procurarem uma base para o preço, isto é, o valor.
A apreciação do justo preço sofre a influência dos costumes e da tradição e depende da perícia de pessoas alheias à discussão ou, na maioria das vezes, tão-somente da consciência dos interessados. A noção de justo preço é aplicada ao “salário”, remuneração do operário em troca do trabalho prestado. O justo salário deve permitir ao operário viver, com a sua família, de acordo com a tradição da sua classe e com os costumes locais.
A noção de justo preço aplica-se igualmente na determinação do “lucro”. O lucro do artesão deve resultar do equilíbrio entre o trabalho empregue, a aplicação da inteligência e a utilidade do serviço. Estas são as bases a considerar na fixação da taxa mínima. Se o lucro ultrapassar de muito esse limite, deve ser condenado por não estar de acordo com a noção de justiça nas trocas.
Foi ainda esta ideia de justiça comutativa que determinou a proibição do “empréstimo a juros”. Parece clara a influência de Aristóteles. No entanto, o empréstimo a juro era condenado pela Igreja antes mesmo de terem os escolásticos conhecimentos das obras do filósofo grego. Mas com o passar do tempo, este princípio vai ser alvo de modificações, à medida que o comércio e a indústria se desenvolvem e os empréstimos são concedidos como auxílio à produção. Isso conduz os doutores da Igreja católica a aceitar aos poucos a actividade comercial, a riqueza que ela obtém e os empréstimos que a estimulam é a influência histórica que permitirá ao calvinismo exaltar sem reserva essa actividade.
As ideias monetárias
A moeda, por lhes parecer instrumento prático de justiça nas trocas e por lhes permitir avaliar bem o justo preço, atraiu, na época, a atenção geral. A moeda era coisa do rei e a ele cabia-lhe fazer com ela o que quisesse. Foi a partir do século XIII que as mutações monetárias começaram a ser mais frequentes. Os reis passaram a justificar essas mutações, do ponto de vista prático, equiparando-as a operações fiscais necessárias à boa marcha dos seus reinos. Tais razões passaram a ser discutidas quando, ao se desenvolver o comércio, se verificou representar a instabilidade da moeda um óbice à boa regularidade das transacções, que então se intensificavam. Inúmeros foram os escolásticos que se insurgiram contra o princípio das mutações monetárias.
A moderação e o equilíbrio são dois caracteres principais do pensamento medieval. Por isso, mantém-se distante do socialismo e do individualismo. Não é socialista porque reconhece a legitimidade e as vantagens da propriedade privada, instituto jurídico base da liberdade e da dignidade humana. Chega mesmo a afirmar a dignidade da personalidade humana, dando-lhe expressão económica através da reabilitação do trabalho. E leva, assim, à libertação da classe trabalhadora da condição de serva da gleba, o que constitui um dos grandes resultados práticos da Idade Média. Não é também individualista: concebe um interesse limitado, em todas as suas manifestações, pelo interesse da comunidade humana. Procura a conciliação entre os direitos do Estado e os do indivíduo, através da constante preocupação com o aperfeiçoamento do género humano.