Segundo a Enciclopédia Moradora Internacional (1981), a historiografia “é o conjunto de obras concernente a um assunto histórico ou produção histórica de uma época”.

A historiografia africana é a história da história de África; a maneira como a história africana é escrita e interpretada ao longo dos tempos. Ela visa analisar e avaliar as várias fases pelas quais passou a investigação, o ensino e as formas de abordagem da história de África.

Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos quanto o início da história escrita. Os historiadores do velho mundo mediterrânico e os da civilização islâmica medieval tomaram como quadro de referência o conjunto do mundo conhecido, que compreendia uma considerável porção da África.

Evolução da Historiografia africana

Antiguidade

Entre as civilizações da Antiguidade Oriental, desenvolveu-se em África a civilização egípcia. Os egípcios desenvolveram nessa época a escrita hieroglífica,que serviu para fixar o legado religioso que até então era transmitido oralmente (cosmogonias e mitografias).  

Ki-zerbo (coord) aventa que: “África ao norte do Sahara era parte integrante de duas civilizações e seu passado constituía um dos centros de interesse dos historiadores, do mesmo modo que o passado da Europa meridional ou o do Oriente Próximo”.

As informações clássicas a respeito do mar Vermelho e do oceano Índico têm um fundamento mais sólido, pois é certo que os mercadores mediterrânicos, ou ao menos os alexandrinos, comerciavam nessas costas.

O Périplo do Mar da Eritreia (mais ou menos no ano +100) e as obras de Cláudio Ptolomeu (por volta do ano +150, embora a versão que chegou até nós pareça referir -se sobretudo ao ano +400, aproximadamente) e de Cosmas Indicopleustes (+647) constituem ainda as principais fontes da história antiga da África oriental.

A Idade Média

Neste período, os escritores e viajantes escreveram pouco sobre África. Somente há registos sobre o norte de África que teve contacto com comerciantes fenícios, gregos e romanos.

Os autores árabes eram mais bem informados, uma vez que em sua época a utilização do camelo pelos povos do Sahara havia facilitado o estabelecimento de um comércio regular com a África ocidental e a instalação de negociantes norte-africanos nas principais cidades do Sudão ocidental.

Noutras regiões do continente também se fizeram registos escritos sobre os africanos, feitos por escritores árabes, como: Al-Masudi; Al-BakriAlIdrisiAl-Umari; Ibn-Batuta Hassan Ibn Muhamad Al-Hassan(Leão de África) estes são de grande importância para a reconstrução da história da África, em particular a do Sudão ocidental e central, durante o período compreendido entre os séculos IX e XV.

Por outro lado, o comércio com a parte ocidental do oceano Índico tinha se desenvolvido a tal ponto que um número considerável de mercadores da Arábia e do Oriente Próximo se instalaram ao longo da costa oriental da África.

Por mais úteis que sejam essas obras para os historiadores modernos, pairam dúvidas de que possamos incluir algum desses autores ou de seus predecessores clássicos entre os principais historiadores da África. O essencial da contribuição de cada um deles consiste numa descrição das regiões da África a partir das informações que puderam recolher na época em que a evolução da historiografia da África escreveu.

Não existe nenhum estudo sistemático sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e que constituem o verdadeiro objectivo do historiador. Aliás, tal descrição nem chega a ser realmente sincrónica, pois se é verdade que uma parte das informações pode ser contemporânea, outras delas, embora pudessem ainda ser consideradas verdadeiras na época em que o autor vivia, muitas vezes poderiam ser provenientes de relatos mais antigos.

Além disso, essas obras apresentam o inconveniente de que, em geral, não há nenhum meio de avaliar a autoridade da informação, de saber, por exemplo, se o autor a obteve por sua observação pessoal ou a partir da observação directa de um contemporâneo, ou se ele simplesmente relata rumores correntes na época ou a opinião de autores antigos.

Entre os primeiros historiadores da África, porém, encontra-se um muito importante, um grande historiador no sentido amplo do termo: referimo-nos a Ibn Khaldun (1332 -1406) que, se fosse mais conhecido pelos especialistas ocidentais, poderia legitimamente roubar de Heródoto o título de “pai da história”.

Ibn Khaldun é, realmente, um historiador muito moderno e é a ele que devemos o que se pode considerar quase como história da África tropical, em sentido moderno. Na qualidade de norte -africano e também pelo fato de ter trabalhado, a despeito da novidade de sua filosofia e de seu método, no quadro das antigas tradições mediterrâneas e islâmicas, ele não deixou de se preocupar com o que ocorria no outro lado do Sahara.

Do século XV até à actualidade

A partir do século XV, o continente africano, teve contactos com todo o mundo, especialmente com os europeus, no contexto da Expansão europeia e com o envio no séc. XIX, de expedições missionárias, cientificas e militares que escreveram sobre África em quase todas áreas científicas, com especial destaque para a Geografia e exploração de recursos naturais.

Ki-zerbo (2010) diz: “Os missionários, ao contrário, sentiam -se obrigados a tentar alterar o que encontravam e, nessas condições, um certo grau de conhecimento da história da África poderia ser -lhes útil.”

A costa da Guiné foi a primeira região da África tropical descoberta pelos europeus; ela foi o tema de toda uma série de obras a partir de 1460, aproximadamente (Cadamosto), até o início do século XVIII (Barbot e Bosman). Uma boa parte desse material é de grande valor histórico, porque fornece testemunhos directos e datados, graças aos quais podem -se situar várias outras relações de carácter histórico.

Há também nessas obras abundante material histórico (entendido como não -contemporâneo), sobretudo em Dapper (1688), que, ao contrário da maioria dos demais autores, não era um observador directo, mas apenas um compilador de relatos alheios. Porém, o objectivo essencial de todos esses autores era mais descrever a situação contemporânea do que fazer história.

A partir do século XVIII, parece que a África tropical recebeu dos historiadores europeus a atenção que merecia. Era possível, por exemplo, utilizar como fontes históricas os autores mais antigos, sobretudo os descritivos – como Leão, o Africano, e Dapper –, de maneira que as histórias e geografias universais da época, como The Universal History, publicada na Inglaterra entre 1736 e 1765, podiam consagrar um número apreciável de páginas à África.

Devido aos problemas coloniais, a África não foi considerada um espaço único e total, dai que até hoje é frequente dizer-se «África branca» -África do Norte ou Magreb, e «África Negra» – Sul do Sahara. Esta situação justifica o facto de aparecer uma história regionalizada:

História de África Magrebina; História de África Ocidental; Central e Oriental e África Meridional. (KI-ZERBO, 2010).

O crescimento do interesse dos europeus pela África havia proporcionado aos africanos grande variedade de culturas escritas, que lhes permitia exprimir seu interesse por sua própria história. Foi esse o caso principalmente da África ocidental, onde o contacto com os europeus havia sido mais longo e mais constante, e onde sobretudo nas regiões que se tornaram colónias britânicas – uma demanda pela instrução europeia já existia desde o início do século XIX.

Numa escala mais reduzida, muitos africanos continuaram a registar as tradições históricas locais de modo sério e confiável. Os contactos com os missionários cristãos parecem ter desempenhado um papel significativo. Assim, floresceu em Uganda uma escola importante de historiadores locais desde a época de A. Kagwa (cuja primeira obra foi publicada em 1906); ao mesmo tempo, R. C. C. Law anotou, para a região ioruba, 22 historiadores que haviam publicado trabalhos antes de 1940 28, em geral (como aliás os autores ugandenses) em línguas nativas. Dentre a das obras desse tipo, uma tornou-se merecidamente célebre: A Short History of Benin de J. U. Egharevba, reeditada diversas vezes desde sua primeira publicação em 1934.

A partir de 1947, a Société Africaine de Culture e sua revista Présence Africaine empenharam -se na promoção de uma história – da África descolonizada. Ao mesmo tempo, uma geração de intelectuais africanos que havia dominado as técnicas europeias de investigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em relação ao passado africano e a buscar nele as fontes de uma identidade cultural negada pelo colonialismo. Esses intelectuais refinaram e ampliaram as técnicas da metodologia histórica desembaraçando -a, ao mesmo tempo de uma série de mitos e preconceitos subjectivos.

A esse propósito devemos mencionar o simpósio organizado pela UNESCO no Cairo em 1974, que permitiu a pesquisadores africanos e não -africanos confrontar livremente seus pontos de vista sobre o problema do povoamento do antigo Egipto.

Em 1948, aparecia a obra History of the Gold Coast de W. E. F. Ward. No mesmo ano, a Universidade de Londres criava o cargo de lecturer em História da África na School of Oriental and African Studies, confiado ao Dr. Roland Oliver.

É a partir dessa mesma data que a Grã -Bretanha empreende um programa de desenvolvimento das universidades nos territórios que dela dependiam: fundação de estabelecimentos universitários na Costa do Ouro e na Nigéria; elevação do Gordon College de Cartum e do Makerere College de Kampala à categoria de universidades. Nas colônias francesas e belgas, desenrolava -se um processo semelhante. Em 1950 era criada a Escola Superior de Letras de Dacar que, sete anos mais tarde, adquiriria o estatuto de universidade francesa.

Do ponto de vista da historiografia africana, a multiplicação das novas universidades a partir de 1948 foi seguramente mais significativa que  a existência dos raros estabelecimentos criados antes, mas que vegetavam por falta de recursos, tais como o Libéria College de Monróvia e do Fourah Bay College de Serra Leoa, fundados respectivamente em 1864 e 1876.

A partir de 1948, a historiografia da África vai progressivamente se assemelhando à de qualquer outra parte do mundo. E evidente que ela possui problemas específicos, como a escassez relativa de fontes escritas para os períodos antigos e a consequente necessidade de lançar mão de outras fontes como a tradição oral, a linguística ou a arqueologia.

Mas é preciso ressaltar que esta evolução positiva teria sido impossível sem o processo de libertação da África do jugo colonial: o levante armado de Madagáscar em 1947, a independência do Marrocos em 1955, 22 Metodologia e pré -história da África a heróica luta do povo argelino e as guerras de libertação em todas as colónias da África contribuíram enormemente para esse processo já que criaram, para os povos africanos, a possibilidade de retomar o contacto com sua própria história e de controlar a sua organização.

Principais historiadores africanos desta época

Samuel Johson (Serra Leoa): A história dos Yorubas;

Carl Christopher (Gana): A história da Costa de Ouro e de Ashant;

Joseph Ki-Zerbo (Burkina-Faso): A História de África Negra.

Outros historiadores: Albert Adu Boahen; Bethwell Ogot; Teófilo Obenga; Elika Mibokolo; John Donald Fage; Ronald; Oliver Terence Ranger; Philip Curtin, Basil Davidson e Walter Rodney.

Principais correntes da Historiografia africana

Corrente eurocentrista

É uma corrente marcadamente racista, pois defende a superioridade da raça branca sobre a negra. Sustenta que os africanos não tinham história antes de estabelecerem contactos com os europeus. Afirma que África não é uma parte histórica do mundo.

Hegel (1770 -1831) definiu explicitamente essa posição em sua Filosofia da História, que contém afirmações como as que seguem: “A África não é um continente histórico; ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento”. Os povos negros “são incapazes de se desenvolver e de receber uma educação. Eles sempre foram tal como os vemos hoje

As coisas ficaram ainda mais difíceis para o estudo da história da África após o aparecimento, nessa época e em particular na Alemanha, de uma nova concepção sobre o trabalho do historiador, que passava a ser encarado mais como uma actividade científica fundada sobre a análise rigorosa de fontes originais do que como uma actividade ligada à literatura ou à filosofia.

Tal concepção foi exposta de forma muito precisa pelo professor A. P. Newton, em 1923, numa conferência diante da Royal African Society de Londres, sobre “A África e a pesquisa histórica”. Segundo ele, a África não possuía “nenhuma história antes da chegada dos europeus. A história começa quando o homem se põe a escrever”.

Os historiadores coloniais profissionais estavam, assim como os historiadores profissionais em geral, apegados à concepção de que os povos africanos ao sul do Sahara não possuíam uma história susceptível ou digna de ser estudada. Como vimos, Newton considerava essa história como domínio exclusivo dos arqueólogos, linguistas e antropólogos.

Nega assim, a possibilidade de os africanos terem contribuído para o desenvolvimento da História Universal. O Eurocentrismo defende que somente com as fontes escritas é que se faz a história.

Corrente afrocentrica 

Surge em reacção à corrente eurocêntrica. Critica radicalmente a colonização, afirmando que influenciou negativamente a evolução histórica africana. É uma corrente que valoriza excessivamente as realizações africanas. Recusa influência que os outros povos exerceram sobre a história de África. Para eles, a história é o que graças ao esforço exclusivo dos africanos, sem concorrência de nenhum factor externo.

O afrocentrismo defende que se deve interpretar e estudar as culturas não europeias, nomeadamente a africana, e os seus povos do ponto de vista de sujeitos ou agentes e não como objectos ou destinatários. Estes não defendem que o mundo seja interpretado sob uma única perspectiva cultural, como foi o caso do eurocentrismo, mais que seja reconhecida a existência de uma cultura e a sua avaliação em termo de pensamento e conhecimento através da sua própria perspectiva, nesse caso, mais concretamente a cultura africana seja analisada, por si, enquanto sujeito e não através de modelos culturais que por vezes não só a entendem como a desprezam e desvalorizam.

Corrente progressista  

É uma corrente que reconhece o valor das fontes escritas, mas recusa aceitar que a história seja feita apenas com base em documentos escritos, negando assim, ao eurocentrismo. Contrariamente ao eurocentrismo e ao afrocentrismo, o progressismo não espelha complexo de superioridade nem de inferioridade. Reivindica

O progressismo expandiu-se a partir de meados do século XIX com historiadores como: Albert Adu BoahenJoseph Ki-Zerbo, Teólifo Obenga, e Roland Oliver.

Uma investigação histórica séria e não discriminatória tendo como chave a combinação de várias base metodologias e fontes. Esta corrente depende a importância das fontes orais para todo o conhecimento – tudo o que é escrito é antes pensando e falado.

Bibliografia consultada:

Enciclopédia Miradora Internacional. São Paulo 1981FARIAS, P. F. De Moraes. Afrocentrismo: entre Uma Contranarrativa histórica Universalista e o Relativismo Cultural. São Paulo. 2003KI-ZERBO, Joseph. História Geral de África I: metodologias e pré-historia de África. Brasília: Unesco