Saint Simon
O aristocrata francês Claude-Henry de Rouvray, conde de Saint-Simon, teve uma vida agitada e aventurosa. Considera-se fadado para mudar o mundo com uma moral renovadora de base científica e uma nova organização económica e social. As suas ideias visam uma construção grandiosa que substitua a estrutura social que desmorona ante seus olhos. De 1814 a 1825, Saint-Simon publica as obras em que pretende oferecer ao mundo uma doutrina.
As suas ideias podem sintetizar-se numa exaltação da função social da indústria, considerada a palavra como sinónimo de trabalho. Na célebre parábola de Saint-Simon, conclui que, em cada país, o governo e a burocracia oficial são apenas uma fachada. A sociedade poderia viver perfeitamente sem essa fachada, poderia dispensar-se o luxo de um rei, de uma família real, dos nobres, dos altos dignitários civis e militares, desde que mantivesse os seus industriais e homens dos ofícios, os seus agricultores, os seus negociantes, os seus banqueiros, porque o verdadeiro poder, o verdadeiro governo da nação, está nos homens que conduzem a vida económica
Para Saint-Simon, os conceitos liberais de “soberania do povo”, de “liberdade” e de “igualdade”, não têm sentido. Compreende o seu significado como concepções abstractas dos legistas que criaram a ideologia do combate ao feudalismo. Só aceita o parlamentarismo como um regime de transição entre o passado feudal e o futuro, e para ele o futuro pertence ao “industrialismo”, porque a indústria é a “única fonte de todas as riquezas e de todas as prosperidades”.
A organização social do futuro implica, em primeiro lugar, o desaparecimento das classes. Não haverá nobres, nem burgueses, nem clérigos. Apenas existirão duas categorias de pessoas: os trabalhadores e os ociosos. A igualdade industrial, diz Saint-Simon, “consiste em cada um receber da sociedade benefícios exactamente proporcionados à sua posição social, isto é, à sua capacidade positiva, ao emprego que faz dos seus meios, entre os quais se devem compreender, bem entendido, os seus capitais.”
Para cada nação não há lugar para um governo político, mas para uma administração. A política deve transformar-se, deve tornar-se “a ciência da produção, isto é, a ciência que tem por objecto a ordem de coisas mais favorável a todos os ramos da produção”. A sociedade deve ser organizada de modo a assegurar a melhor maneira de satisfazer as necessidades de todos os seus membros. A nova organização social, decalcada da organização das unidades industriais, transformará as nações em verdadeiras associações de produtores.
Esta doutrina, segundo os seus discípulos, estava destinada a substituir tanto os ideais do liberalismo como os preceitos religiosos do catolicismo. Incluía uma crítica rigorosa da propriedade privada, crítica que Saint-Simon formulava em termos mais científicos que Proudhon, argumentando que a propriedade era uma instituição social sujeita a evolução. A condenação da propriedade privada e da exploração dos trabalhadores coincide com a defesa do empresário capitalista, do industrial empreendedor, a quem consideram que é legitimamente devido o prémio das suas iniciativas.
Robert Owen

Os socialistas associacionistas consideram que a livre concorrência é a causa principal dos vícios e contradições do estado económico da sociedade. Pensam que o indivíduo isolado, à mercê de todas as ameaça-se de todas as dificuldades, encontra na “associação” a força e a protecção de que necessita.
Ao contrário dos liberais, não aceitam a ideia de uma “ordem natural”, espontânea e harmónica. Por intermédio das associações procuram oferecer aos homens “um novo meio”, embora em certos trechos dos autores associacionistas esse novo meio (a associação, a cooperativa, a comuna) seja apenas um processo de “colocar a sociedade em harmonia com a natureza” (Owen).
O socialista Robert Owen (1771-1858) era um homem de negócios bastante rico e um industrial importante. Criou para os seus operários todas as instituições e regalias que viriam a ser, posteriormente, objecto de uma larga campanha de propaganda: casas com jardim, refeitórios, caixas económicas, e escolas laicas para os filhos dos operários. Reduziu o dia de trabalho dos adultos de 17 para 10 horas, não dava trabalho a crianças com menos de dez anos, e suprimiu o uso de multas. (Idem)
Não se pense que era um revolucionário militante. Recusou-se a participar no movimento cartista, cuja reivindicação mais radical era a do sufrágio universal. Nunca aconselhou os operários a expropriarem os capitalistas; indicou-lhes, sim, a vantagem da criação de novos capitais e ensinou-lhes o caminho da cooperação.
Owen pensava que o homem dependia estreitamente do meio. Modificar o meio e preparar aos trabalhadores melhores condições de existência e de trabalho era o seu principal objectivo. Para isso afigurava-se-lhe como necessária a supressão do lucro. Considerava o lucro injusto, o preço do custo era o justo preço. Além de injusto, causava superprodução, ou, melhor, sub-consumo, porque o trabalhador, devido ao lucro, vê-se na impossibilidade de comprar o produto do seu trabalho e, portanto, de consumir o equivalente do que produziu.
Concluiu que era necessário substituirá moeda por senhas de trabalho (labour notes). Estas senhas teriam grande sobre a moeda, como padrões de valor, dado que representavam o trabalho exacto gasto a produzir cada mercadoria. O trabalhador receberia pelo seu trabalho o equivalente das horas de trabalho. Uma tentativa de aplicar este sistema resultou num desastre. Outra forma de suprimir o lucro era a restituição dos lucros que as cooperativas realizariam na proporção das quotas dos seus associados. A associação corporativa basta para
assegurar a glória de Robert Owen, e é o aspecto do seu pensamento que tem real actualidade; mas é necessário não esquecer que Owen empreendeu experiências colectivas de verdadeiro carácter comunista, como a colónia Nova Harmonia, que durou dois anos e fracassou.
Charles Fourier
Na crítica à organização económica e social do seu tempo, Charles Fourier (1772-1837) mostra mais agudeza que Owen. Para ele a concorrência livre é um estado anárquico em que todos os abusos são possíveis. Prega, então, a necessidade da criação de um novo meio social, no qual o homem não seja a vítima da “liberdade económica”.
Para Fourier não se trata de suprimira propriedade, mas de transformar o regime de propriedade. A associação transformará a propriedade de individual em societária e a produção de dispersa em unitária. Esta transformação não é obrigatória porque a associação é voluntária e livre.
Pela convivência diária, melhoraram-se os sentimentos recíprocos entre os homens, que no regime social liberal, “se movem numa escala ascendente de ódios e numa escala descendente de desprezo”.
As associações (falanges) seriam simultaneamente de produção e de consumo, que se bastariam a si próprias. Cada falange era constituída como uma sociedade por acções, e os lucros, seriam distribuídos segundo a seguinte regra: 4/12 ao capital; 5/12 ao trabalho; e 3/12 ao talento. O talento era a direcção, que seria eleita.
O trabalho assalariado convertia-se em trabalho associado, e essa transformação tornava-o mais atraente, logo, mais produtivo. “O espírito de propriedade é a mais forte alavanca conhecida para electrizar os civilizados”.
BLANC, J.J. Charles Louis (1811-1882)
Socialista francês e um dos líderes da revolução de 1848. Defendia uma reforma social baseada na criação de associações operárias de produção, mas sob a égide do Estado. Segundo ele, a riqueza produzida deveria ser repartida da seguinte forma: 25% para um fundo de amortização do capital, 25% para um fundo de seguro social, 25% para um fundo de reserva, 25% para repartir entre os trabalhadores. Escreveu as obras: Organização do Trabalho (1840), História de Dez Anos (1841) e Direito ao Trabalho.
Louis Blanc
Historiador, jornalista, orador e político, Louis Blanc (1811-1886) inspirou-se nas obras de Sismondi e Fourier. Critica fortemente o regime de livre concorrência, tentando provar que:
1 – A concorrência é para o povo um sistema de extermínio;
2 – A concorrência é para a burguesia uma causa incessante de empobrecimento e ruína.
Ao regime de concorrência, Blanc opõe o regime de associação. A associação deve ser fomentada e financiada pelo Estado. O que falta aos proletários para se emanciparem são os instrumentos de trabalho, e a função do governo é fornecer-lhos. “o Estado é o banqueiro dos pobres.”
Para Blanc, a associação estabelece-se por ramos profissionais. O “atelier” social agrupa operários do mesmo ofício, é simplesmente uma cooperação na produção. Owen e Fourier propuseram a cooperação simultânea na produção e no consumo. Os lucros seriam divididos em três partes: uma para os operários; outra para manutenção dos velhos e dos doentes e para socorrer indústrias em crise; e uma terceira para comprar instrumentos de trabalho para pessoas que quisessem aderir à associação. As associações entrariam em concorrência com a indústria privada. “Trata-se de utilizar a concorrência para fazer desaparecer a própria concorrência.
A revolução de 1848 e a criação das oficinas nacionais (que não correspondiam às oficinas sociais descritas no seu livro) deram grande notoriedade a Louis Blanc, que, com o seu pequeno livro “L’Organization du Travail”, instruiu a classe operária francesa na ideia da cooperativa de produção.
Pierre-Joseph Proudhon
Como Fourier, P.-J. Proudhon (1809-1865) nasceu em Besançon, no Franco-Condado. Era o filho mais velho de um cervejeiro, simples e honesto, cuja dura vida de trabalho
Proudhon evoca: “Senhora, sabeis quem era meu pai? – Um honesto cervejeiro a quem ninguém conseguiu meter na cabeça que, para ganhar dinheiro, era preciso vender por mais do que o preço do custo. Afirmava sempre que isso seria um bem mal adquirido.”
O seu interesse pela filosofia, e principalmente pela obra de Hegel, leva-o a cultivar as contradições e os paradoxos.
Em 1840 publica “Que é a propriedade?”, respondendo que “A propriedade é o roubo.” A simples propriedade privada, a livre disposição do produto do trabalho e das economias individuais, é, na opinião de Proudhon, um fundamento da liberdade individual. Condena, sim, o direito que ela confere a certos proprietários de receberem, sem trabalho algum, determinado rendimento. O problema não é a propriedade, mas o direito à sucessão, a renda, o aluguer, o juro, o lucro, o ágio, os descontos, as comissões, os privilégios, os monopólios, que Proudhon condena veementemente.
Como os autores socialistas anteriores, Proudhon considera que o trabalho é a única fonte de valor. Sem o trabalho, a terra ou o capital não são produtivos. Só aceita a propriedade que é fundamento da liberdade individual, dado que considera uma questão de justiça o facto de o homem possuir as coisas nas quais incorpora o seu trabalho. Só é legítima a propriedade conciliada com a justiça, com a liberdade.
“A liberdade, eis todo o meu sistema: liberdade de consciência, liberdade de imprensa, liberdade de trabalho, liberdade de comércio, liberdade de ensino, livre concorrência, livre disposição dos frutos do trabalho e do saber, liberdade até ao infinito, liberdade absoluta, liberdade em toda a parte e sempre.”.
Deste ângulo libertário, ataca os autores que se pronunciaram a favor do socialismo e da associação. Considera-as como desfavoráveis à liberdade do trabalhador. “A perfeição económica reside na independência absoluta dos trabalhadores, do mesmo modo que a perfeição política reside na absoluta independência dos cidadãos.” A associação, criando uma estreita interdependência entre os cidadãos associados, é contrária à liberdade e à justiça. “A comunidade é a exploração do forte pelo fraco.” Propõe-se, então, construir o seu sistema “entre a propriedade e a comunidade”.
A ideia de justiça implica a ideia de igualdade. Do princípio eterno de justiça: “Faz aos outros o que queres que te façam”, deriva, como lógica consequência económica, a mutualidade e reciprocidade de serviços: o mutualismo.
Segundo Rist, o projecto de Proudhon assenta num princípio fundamental: “entre todos os capitais que permitem aos seus proprietários receber, sob o nome de juro, renda, desconto, etc., um lucro sobre o produto do trabalhador, o mais importante é a moeda, visto que, afinal de contas, é sob a forma de moeda que todos se apresentam no mercado. Se […] a moeda se emprestasse sem juro, o lucro desapareceria imediatamente para todos os outros capitais.”Deste modo, a propriedade ficaria reduzida à posse. E porque o trabalhador recolheria integralmente o produto do seu trabalho, a justiça económica estaria assegurada.
O processo para atingir este objectivo era a criação do crédito gratuito, o qual se obteria organizando um banco pela associação de todos os homens que desejassem usufruir dos seus benefícios. O “banco de troca” não tem necessidade de capitais, emite valores de troca que não são convertíveis em moeda e que os associados receberiam em troca das suas mercadorias e serviços. A confiança mútua dos associados garante a circulação e a geral aceitação dos valores de troca. Deste modo, os antagonismos entre trabalhadores e operários desapareceriam automática e pacificamente, dado que, eliminada a fonte de rendimentos sem trabalho, só existiriam trabalhadores iguais, que permutariam os seus produtos e serviços pelo preço de custo.
Os cidadãos franceses têm direito de se entender e, em caso de necessidade, de se quotizar para fundarem padarias, talhos, mercearias, etc., que lhes garantam a venda e a troca, por preços reduzidos, e com boa qualidade, do pão, da carne, de todos os artigos de consumo que a anarquia mercantil lhes entrega com falsos pesos, com falsos rótulos e a preços exorbitantes […]. Pela mesma razão, os referidos cidadãos têm o direito de fundar no seu interesse comum um banco com o capital que queiram, a fim de obterem por bom preço o numerário indispensável às suas transacções.”
Nesta concepção de crédito cooperativo, de crédito mútuo, reflecte-se o sentimento de que a liberdade é o verdadeiro motor da actividade económica.
Socialista pela preocupação igualitária e pela crítica vigorosa ao conceito tradicional de propriedade, libertário pelo espírito e pela formação mental, o pensamento de Proudhon influenciou, principalmente em França, as mais diversas correntes de opinião. Desde o sindicalismo revolucionário anti-parlamentar ao corporativismo radical burguês, ao corporativismo paternalista e ao socialismo reformista, todos se reclamam de Proudhon, o pensador romântico que a si próprio se classificava de “anarquista, mas amigo da ordem”.
Rodbertus e Lassalle
Proudhon reagiu contra o socialismo associacionista num sentido libertário; Rodbertus e
Lassalle reagem num sentido estadista. O socialismo de Estado não é um novo sistema económico, uma nova teoria, mas uma concepção política prática. É pedida a intervenção do Estado não só para remediar as injustiças da sociedade do seu tempo, mas igualmente para preparar, sem lutas dramáticas e perturbadoras, o advento da sociedade futura.
O intervencionismo de Sismondi, certas páginas de Stuart Mill, o autoritarismo de Louis Blanc, mostram como o papel do Estado na vida económica não se limitava já a ser reconhecido, como era até preconizado.
- Karl Rodbertus (1805-1875), um socialista de Estado alemão, discípulo de Sismondi, é um socialista intelectual, um grande proprietário rural que os êxitos de Bismark impressionam e que considerará o socialismo como um movimento puramente económico. Defende a ideia de que a pobreza e as crises têm a mesma origem: o salário não aumentar proporcionalmente à produção. Rodbertus não aceita o conceito liberal de que as sociedades são organismos que automaticamente atingem o equilíbrio pelo livre jogo das leis naturais. “Os Estados não têm a felicidade ou infelicidade de as suas funções vitais se realizarem por si próprias, graças a uma necessidade natural. São organismos históricos que se constituem por si mesmos e devem estabelecer as próprias leis e os próprios órgãos: por consequência, as funções destes órgãos não podem também exercer-se por si: compete ao Estado dirigi-las livremente, mantê-las e desenvolvê-las.”
Rodbertus, que queria “um sistema de direcção pelo Estado”, era um “monárquico, nacional e social”. Considera que no regime liberal não há possibilidade de afirmar que se procura ajustar a produção à necessidade social, porque a produção se relaciona sempre, e apenas, com a procura efectiva, aquela que é determinada pela posse da moeda. Só se satisfazem as necessidades daqueles que já possuem alguma coisa.
Ferdinand Lassale (1825-1864) foi sobretudo um agitador, um homem de acção e um organizador político. Ficou ligado à lei de bronze dos salários: “A lei de bronze económica, que, nas condições presentes, sob o reino da oferta e da procura do trabalho, determina o salário, é esta: o salário médio é sempre reduzido à subsistência necessária, indispensável, segundo os hábitos de uma dada nação, para a manutenção da existência e para a reprodução”.
O salário não passa durante muito tempo acima desta média, porque isso suscitaria um aumento da população operária e, consequentemente, a recondução do salário ao seu antigo nível. Também não pode descer abaixo dessa subsistência necessária durante muito tempo, porque, em consequência da miséria, cresceria a emigração, o celibato, e diminuiria o número de operários, voltando o salário a subir para o nível anterior. Esta lei é, simplesmente, uma nova formulação da teoria, de Ricardo, do salário necessário.
Lassale preconizaram as oficinas de produção subvencionados pelo Estado e atribuiu a este um importante papel intervencionista. O fim do Estado é “realizar o destino humano, isto é, toda a cultura de que a humanidade é capaz: é a educação e o desenvolvimento humano no sentido da liberdade”.
Wagner afirmava que existe entre os indivíduos e as classes de uma nação uma solidariedade moral muito mais forte do que a solidariedade económica. Entendia que o Estado devia assegurar a justiça na distribuição da riqueza, melhorar as condições de vida da classe operária, criar instituições de interesse público. Bismark compreendeu a vantagem da difusão das ideias do socialismo de Estado, tanto no combate ao liberalismo como na luta contra o socialismo revolucionário, e, embora tenha adoptado algumas medidas de carácter social, aproveitou-se do prestígio da doutrina para fortalecer o Estado.
William Thompson
Na Inglaterra da primeira metade do século XIX, a indústria já estava bastante desenvolvida, as lutas dos operários eram frequentes e iniciava-se o movimento das “trade unions”, associações operárias de carácter sindical (que só mais tarde apareceram nos outros países europeus). Estas condições sociais, a divulgação do utilitarismo de Bentham e a lição da escola clássica, principalmente de Ricardo, tornaram possível o aparecimento de um grupo de autores socialistas, os socialistas ricardianos ingleses que tiram conclusões novas das obras dos clássicos.
Todos aceitam que o trabalho é a verdadeira medida do valor e todos enunciam já a noção de mais-valia. Aceitam o princípio utilitarista da necessidade de alcançar “a maior felicidade para o maior número” e pensam que a estrutura da sociedade não é imutável e de origem divina.
William Thompson (1785-1833), discípulo de R. Owen, não só é considerado por muitos o criador da noção de mais-valia, como (pelo seu conhecimento da ciência económica e pela profundidade do seu pensamento) é por vezes indicado como o fundador do socialismo cooperativo
Para estes autores, só o trabalho justifica a propriedade. A teoria do valor-trabalho adquire uma significativa importância que não encontramos no próprio Ricardo. A renda, o juro e o lucro, não só constituem um rendimento ilegítimo, como geram as contradições sociais.
Karl Marx
O fundador do socialismo científico nasceu em Trier, na Renânia, em 1818. O revolucionário Karl Marx (1818-1883) pertencia a uma família burguesa de origem judaica.
Formado em Direito, conclui que necessita de um sistema filosófico e interessa-se por Hegel. Sob a influência de Gans, professor de Direito Penal na Faculdade de Direito de Berlim, que Marx frequentava, começam a surgir, entre os jovens hegelianos, tendências esquerdistas. A renovação do hegelianismo iniciara-se, em 1835, com a publicação da “Vida de Jesus”, de David Strauss grande sucesso entre a juventude alemã. Marx tinha 19 anos quando assimilou a filosofia de Hegel e estabeleceu relações com a esquerda hegeliana.
No ano de 1841, a publicação de “A Essência do Cristianismo”, de Feuerbach, marca uma nova fase na evolução intelectual de Karl Marx. Ao conhecimento da filosofia materialista junta-se a actividade jornalística na Gazeta Renana. Em 1843 a Gazeta Renana é proibida, Marx casa-se, e parte para Paris. Em Paris relaciona-se, entre outros, com Proudhon e Engels. Friedrich Engels era hegeliano de esquerda e socialista, tendo uma preparação teórica muito diferente da de Marx – estudara economia política, conhecia a doutrina socialista de Owen e possuía já uma visão esquemática da interpretação materialista da história. O marxismo é, efectivamente, obra comum de Marx e Engels.
Em 1843, no seu livro “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, Marx confronta Feuerbach com Hegel e sublinha a contradição inerente ao Estado hegeliano e os nexos entre o idealismo de Hegel e as suas opiniões reaccionárias. Em 1846 inicia uma crítica ao trabalho de Proudhon “Filosofia da Miséria”, e rompe relações com o socialismo francês. Marx e Engels prosseguem, simultaneamente com a actividade teórica, uma intensa actividade política. Expõem, em 1848, a sua doutrina no “Manifesto Comunista”. Este torna-se famoso e Marx é expulso da Bélgica, refugiando-se em Paris. Segue com Engels para a Alemanha, para participar nos acontecimentos revolucionários de 1848. Em 1849 vê-se outra vez no exílio, passando a viver em França e na Inglaterra, onde funda a Associação Internacional dos Trabalhadores.
É em Inglaterra que se lança no estudo da economia política. As doutrinas da Escola clássica, o desenvolvimento industrial do país e as crises cíclicas, proporcionam a Marx um vasto campo de estudo. Em 1859 publica a “Crítica da Economia Política”, que é uma profunda introdução a “O Capital”, a sua obra decisiva, cujo volume I aparece em 1867. A fusão do movimento operário alemão dá-lhe uma oportunidade para criticar vigorosamente o socialismo reformista.
Os restantes volumes de “O Capital” só foram publicados após a morte de Marx, em 1883. Foi Engels quem os publicou, em 1885 e 1889. Em 1904, Kautsky publicou “Teorias da Mais-Valia” a partir das notas de Marx para o volume IV de “O Capital”. “As minhas investigações conduziram à conclusão de que as relações jurídicas assim como as formas de Estado não podiam ser compreendidas nem em si, nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas que, inversamente, tinham as suas raízes nas condições materiais da existência.
“[…] na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações constitui a estrutura jurídica e política, à qual correspondem formas de consciência social determinadas. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. Num certo estádio de desenvolvimento as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no meio das quais até então tinham evoluído. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações tornam-se obstáculos ao seu desenvolvimento. Então inicia-se uma época de revolução social. A mudança na base económica transforma, mais ou menos, toda a superstrutura.”Munido do seu método dialéctico, e de um conhecimento profundo da economia política inglesa, Marx analisa a estrutura económica da sociedade capitalista.
“O que caracteriza a economia política burguesa” é o facto de “ver na ordem capitalista não uma fase transitória do progresso histórico, mas a forma absoluta e definitiva da produção social.”Marx verifica que a vida económica na época capitalista consiste num “sistema de trocas”. E ao contrário dos clássicos, conclui que esse sistema não é um sistema de trocas equivalentes. Se assim fosse, não se dariam, regularmente, crises de superprodução. É da periodicidade das crises que Marx deduz que não existe uma tendência natural para a harmonia e o equilíbrio económico, mas uma tendência permanente para o desequilíbrio.
A teoria da troca de equivalentes não explica também, para Marx, a origem do lucro. O problema das crises e a investigação do verdadeiro carácter do lucro conduzem Marx ao estudo do valor.
Marx atribui ao trabalho a origem do valor. O valor de uma mercadoria é objectivamente determinado pela quantidade de trabalho social médio que essa mercadoria representa: “O tempo socialmente necessário à produção das mercadorias é o que exige qualquer trabalho, executado com o grau médio de habilidade e de intensidade e em condições […] normais.”
A aparência económica dá-nos a ilusão de que o dinheiro se troca por dinheiro, ou por coisas que vale dinheiro. Na realidade, a troca estabelece a passagem de umas mãos para outras de trabalho humano incorporado nos produtos da actividade humana, e isso segundo certas relações históricas e sociais que constituem a estrutura de cada sociedade diferenciada (comunidade tribal, sociedade senhorial, sociedade capitalista.
A simples troca de mercadorias constitui uma operação complexa, iguala o que é desigual, realiza um movimento dialéctico. Quando a maquinaria se torna fundamental para a produção, o que acontece na época do capitalismo industrial, o verdadeiro capitalismo, a troca complica-se.
O desgaste da maquinaria entra no valor do produto, assim como o valor dos salários e o lucro. Ao capital investido na maquinaria, nas instalações e nas matérias-primas, Marx dá o nome de capital constante, enquanto que ao capital gasto em salários e do qual provém o lucro, chama capital variável. A proporção entre os capitais é designada por composição orgânica do capital, variando de acordo com o ramo de produção. Duas mercadorias que resultem do mesmo tempo de trabalho social não são trocadas com o mesmo valor senão quando a composição orgânica do capital dos dois ramos de produção for igual.
O assalariado não vende ao capitalista “o seu trabalho”, mas a sua força de trabalho, o seu tempo de trabalho. O salário representa a quantidade de trabalho necessário à sociedade para ela alimentar, vestir, alojar, etc. o trabalhador individual. Que é inferior ao tempo de trabalho social médio que representa o seu tempo de trabalho individual. Se não o fosse, o trabalho de cada indivíduo não seria produtivo; seria o trabalho suficiente para assegurar a sua manutenção.
O salário revela, e dissimula, uma operação complexa: a troca da força de trabalho, paga pelo seu valor, pelo valor criado pela força de trabalho. O capitalista guarda a diferença entre o salário e o valor do produto. O lucro deixa então de ser um mistério social, é a mais-valia adquirida pelo capital no decurso do processo de produção.
O capitalismo surge como uma troca de não equivalentes. Por isso, em vez de harmonia e equilíbrio, manifestam-se no seu seio forças de desequilíbrio e rotura. A massa dos produtores não pode consumir o que produz. Para Marx, a contradição principal não é a que existe entre produção e consumo, mas entre o carácter socialmente produtivo do trabalho e a apropriação privada dos produtos do trabalho.
As crises periódicas revelam o conflito interno entre as forças de equilíbrio e as forças de rotura. O ciclo apresenta tendência para a sobre produção que, ao atingir a fase aguda, se manifesta pela crise, pela queda das vendas, pelo desemprego, pela destruição de stocks, de parte da maquinaria, etc. Fazendo diminuir a produção, a crise equilibra-a com o nível imposto pelas possibilidades de consumo. Vem então o equilíbrio, a animação económica, que dura algum tempo, até nova crise. O equilíbrio interno do capitalismo obtém-se por intermédio das crises, que resolvem a contradição entre as forças de equilíbrio e as forças de rotura.
Referencias
http://www.ie.ufrj.br/intranet/ie/userintranet/hpp/arquivos/100820171042_SchumpeterCapitalismoSocialismoeDemocracia.pdf;
https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/2965/1/NeD02_JorgeBragaMacedo.pdf;
https://www.engwhere.com.br/empreiteiros/Socialismo-e-Outras-Teorias-de-Organizacao-Economica.pdf