Quando penso em África, o meu olhar não se perde em nostalgias ou com aquele brilho sonhador. Nunca. Talvez já o tenha dito em outras opiniões. África não me seduz e penso que nunca fará. Por muitas razões que não vale a pena esmiuçar.

Contudo, tenho que dar a mão à palmatória e admitir sem qualquer espécie de constrangimento que me vergo perante maravilhosos criadores de “estórias” provenientes das terras quentes, sensuais e ricas do grande continente negro. Entrei sem pejo e com muita curiosidade nos mundos literários de Mia Couto e Agualusa e de lá nunca mais quis sair. Conhecidos, amigos e até o meu pai incitavam-me a conhecer outro nome, pequeno de tamanho, mas que seguramente me iria conquistar com o seu enorme talento e “estórias”, perspetivas e visões de um punhado de terra historicamente tão enraizado ao nosso passado e presente.

O tímido e as mulheres foi-me oferecido no Natal por clara sugestão minha. Lembro-me que estava com a minha mãe a fazer compras num desses grandes supermercados, que, como de costume, parámos na secção dos livros e que me detive na banca das promoções. Vasculhei por entre as opções e dei comigo com o livro de Pepetela nas mãos. Ao ver o meu interesse pela sinopse, a minha querida mamã “arrancou-mo” e colocou-o no carrinho das compras. E assim pude ter o primeiro exemplar da obra de Pepetela na minha estante. O primeiro de muitos, desejo.

O que salta de imediato à vista, à medida que vamos avançando na leitura é que esta se faz com muito agrado, serenamente e que, pelo menos a mim, “obrigou-me” a sublinhar ou a rodear léxico característico do português de Angola, como “desconseguiu”; “birra”; “kumbú”; “bumbar”; “kamba”; “gasosa”; “cachuchos”; “kuribotices” ou “xinguilar” e tentar “traduzi-lo” para o português de Portugal.

Por outro lado, a narrativa desenha-nos um panorama muito atual da Angola e sobretudo da sua capital. Vamos, através da escrita e visão de um conterrâneo, compreendendo como se desenrola o quotidiano de um país, de uma sociedade ainda muito afetada pelo seu passado recente e que tenta buscar uma entidade própria. Vamos assistindo ao crescimento desmesuradamente alucinante de uma capital, à corrupção que impera nos seus principais organismos e ainda, através de um punhado representativo de personagens, conhecendo os seus habitantes, as suas vidas condicionadas pelo pulsar e pela procura de uma identidade nacional, as suas lutas, os seus ideais, os seus sonhos e as suas realidades, enfim, tudo o que dá impulso aos avanços e recuos de uma nação e de um povo.

É óbvio que nunca estive em Luanda ou em Angola, mas senti que viajei até lá com este livro. E não desgostei da viagem, pelo contrário. Senti que o autor me faz percorrer e calcorrear espaços emblemáticos e em contínua expansão da sua capital e principalmente me apresentou o seu povo, a sua amabilidade, a sua perspetiva do passado, do presente e do futuro, as suas tradições (saboreei os almoços de sábado à tarde em casa da dona Luzitu como se fosse um dos convidados) e a beleza sedutora e quente dos seus homens e mulheres.

Sendo assim, Pepetela ganhou por mérito próprio o seu lugar junto dos seus compinchas africanos Mia Couto e Agualusa. É com uma sensação de satisfação que compreendo que me apresentei a outro autor lusófono e que não mais quero deixar de partilhar a minha estante com ele J Estou curiosíssima por ler mais das suas obras e adentrar-me em África, através dos seus autores, das suas obras, das suas “estórias”.

Pepetela recomenda-se. Recomendo-o tal como mo haviam recomendado. Porque vale a pena!

Termino com um pequeno glossário que “traduz” para o nosso português as palavras que registei antes J:

“desconseguiu” – não conseguiu

“birra” – cerveja; fino; imperial

“kumbú” – dinheiro

“bumbar” – trabalhar

“kamba” – amigo

“gasosa” – dinheiro que se dá em troca de um favor

“kuribotices” – fofocas; coscuvilhices

“xinguilar” – cair em transe