Por definição, a antropologia é um dos segmentos da matriz básica das Ciências Humanas, aquela com origem mais recente, embora não menos importante, pois é subsidio para outras Ciências Sociais, incluindo a suas irmãs siamesas: história e sociologia.

Etimologicamente, a palavra antropologia deriva do grego anthropos (homem), somado a logos (estudo, razão, lógica).

Neste sentido, a antropologia é o estudo do homem, com especial ênfase na vida em sociedade e nos aspectos culturais, interessando-se também pelo individuo e sua psicologia.

Enquanto ciência, surgiu no século XIX, mas só adquiriu status e reconhecimento ao longo do século XX.

Inicialmente estudava as populações mais arcaicas, sociedades simples ou ditas “primitivas”; deixando o estudo das populações contemporâneas, das chamadas sociedades complexas, para a sociologia.

Uma tendência abandonada em beneficio da ampliação do campo de estudo antropológico a partir da década de 1960, quando foram iniciadas pesquisas no âmbito urbano atual, onde se insere a antropologia jurídica, segmento do Direito.

Antropologia x Sociologia

A antropologia se distingue da sociologia por ser uma ciência que pretende estudar os aspectos sociais pelo prisma do observado, colocando-se no lugar do outro; enquanto a sociologia observa a sociedade visualizada por fora, pelo ponto de vista do observador.

Igualmente, enquanto a antropologia organiza os dados em relação às condições inconscientes da vida social; a historia problematiza a vida social consciente.

Embora o entendimento de um aspecto dependa do outro, visto que as mentalidades e sua formação é, simultaneamente, objeto de estudo da antropologia, história e sociologia.

É interessante ressaltar que esta relação interdisciplinar, fez da antropologia uma ciência transdisciplinar, que transita por diversas áreas.

Entretanto, o que não impediu a segmentação da antropologia, representada, por exemplo, pela antropologia jurídica; a qual pretende entender o funcionamento da mente criminosa a partir de perspectiva, motivações, etapas, etc.

Principais Ramos da Antropologia

Dado a amplitude de seu objeto de estudo, o homem em todos os seus aspectos ao longo da variação do tempo e espaço, a antropologia possui inúmeras subdivisões, dentre as quais cabe destacar 4 básicas:

  1. Antropologia Pré-Histórica: a qual consiste no estudo do homem através dos vestígios materiais de cunho arqueológico e pertencente a paleontologia (estudo dos fosseis, vestígios matérias de organismos vivos), pretendendo reconstituir a vida de sociedades desaparecidas.
  2. Antropologia Linguística: estuda a linguagem em todos os seus aspectos; transitando pela oralidade, escrita, gestual, simbolismo, etc; considerados patrimônio de uma sociedade e da humanidade, meio de expressão de valores, crenças e pensamentos; e não apenas meio de comunicação.
  3. Antropologia Biológica ou Física: estuda a evolução do homem a partir de seu vinculo fisiológico, da distribuição étnica, genética, geográfica e ecológica (interação do homem com o meio ambiente e alterações na natureza para adaptar o espaço as necessidades humanas).
  4. Antropologia Cultural ou Social: estuda a totalidade da vida social humana, seus modos de produção, organização política e jurídica, sistemas de parentescos, sua sistematização do conhecimento, crenças religiosas, língua, psicologia, criações técnicas, cientificas e artísticas.

Este último segmento, tradicionalmente, sendo mais amplo que os anteriores, dividiu-se em duas vertentes:

  1. Etnografia

Etimologicamente, significa descrição (grafei = escreverem grego) de um povo ou nação (ethno), ou seja, descrição de uma cultura.

Termo criado por Bronislaw Malinowski, antropólogo polonês, em 1922, utilizado na obra Os argonautas do Pacifico Sul; relato de seu trabalho de campo junto a nativos das ilhas Trobriand, arquipélago de 440 km quadrados próximo a Nova Guiné, na Oceania.

É o primeiro passo na pesquisa antropológica, consistindo, justamente, na pesquisa de campo, ocupando-se da descrição da cultura estudada; reconstituindo, tão fielmente quanto possível, a vida de um povo.

Englobando métodos e técnicas de classificação, descrição e analise de fenômenos culturais.

A pesquisa etnográfica envolve recolher relatos e objetos materiais, observar comportamentos e costumes do ponto de vista das diferenças; compondo fontes de estudo para a antropologia e a etnologia, a segunda etapa da tentativa de entendimento do outro.

  1. Etnologia

A partir do grego, a palavra significa estudo do povo ou nação, sendo um prolongamento da etnografia, embora sua origem seja anterior à antropologia cientifica.

O termo existe desde os gregos antigos, porém, foi usado pela primeira vez, com o sentido atual, pelo austríaco Adam Fraz Kollór em 1783, denotando uma ciência que estuda as origens dos povos.

É o segundo passo da pesquisa antropológica, ocupando-se do estudo da cultura, em geral, a partir de dados levantados pela etnografia, investigando e problematizando os costumes humanos, discutidos pelo viés teórico.

Utiliza métodos comparativos, examinando relatos, objetos, descrições e documentos para elaborar uma síntese do objeto estudado, orientado pela geografia, história e cultura para entender o outro e a si mesmo.

Embasada em um contexto teórico rico e segmentado, a antropologia articula-se com a prática, parte da vida cotidiana para entender o homem através de seu próprio referencial.

Os primórdios da antropologia

Embora a antropologia tenha se configurado como ciência ao longo do século XIX e XX, alguns teóricos consideram os gregos como inventores do conhecimento antropológico.

Na antiguidade, os gregos tenham uma visão etnocêntrica do mundo, considerando outros povos como bárbaros, inferiores desprovidos de atividades civilizadas; despertando a atenção para a questão do outro, a partir do estranhamento, e uma discussão sobre a própria identidade – a forma como enxergavam a si mesmos e o que consideravam características em comum entre eles.

O estranhamento significa a perplexidade diante de culturas diferentes, fazendo as comparações, utilizadas para afirmar a superioridade, provocar um olhar para si mesmo e, portanto, o reconhecimento do que torna o “nós” diferente do “eles”.

Junto com a repulsa, provocando também um fascínio pelo estranho, investigações foram fomentadas pelo estranhamento com relação ao outro, a despeito do objetivo de conhecer para inferiorizar.

Uma tradição herdada pelos romanos, para os quais a preocupação em conhecer o outro na sua totalidade, entendendo suas motivações, inseriu-se em um objetivo maior: conhecer o inimigo para dominar, dividir para conquistar.

Os romanos procuravam conhecer os povos considerados inimigos em potencial para, depois, impor sua cultura; oferecendo cidadania para alguns, vistos como aliados, enfraquecendo uma oposição centralizada; enquanto outros povos escravizava, colocando os aliados para vigiar.

Roma administrava as rivalidades em favor dos seus interesses, fazendo-se necessário conhecer o outro, seu modo de pensar e agir, para dominar.

O que criou um antagonismo envolvendo o mundo dito civilizado, herdeiro da cultura greco-romana, em oposição à barbárie.

Depois transferida para o choque de civilizações: cristandade x islamismo.

Cada qual se considerando civilizada em oposição a um mundo bárbaro.

Não obstante, o reconhecimento do valor da cultura do outro aconteceu somente com o fim da Idade Média; a oposição religiosa entre cristandade e muçulmanos impediu qualquer atributo além de inimigos civilizacionais por excelência.

A antropologia e sua preocupação com o entendimento do outro pelo seu próprio prisma cultural fez parte da filosofia até o século XIX, iniciando a construção de sua autonomia somente no século XVIII, com o iluminismo e a enciclopédia.

No entanto, a gênese da reflexão contemporânea antropológica remonta a descoberta da América, não por acaso nomeada “Novo Mundo”; trazendo à superfície a diversidade étnica e cultural, estimulando discussões em torna das diferenças entre povos e características em comum que definem a humanidade.

O século XVI foi marcado por relatos de cronistas e viajantes descrevendo estranhamentos, o que hoje pertence à etnografia, mas que na época serviu de base para discutir afinidades e diferenças entre povos e os limites da humanidade.

Em meio a relatos fantasiosos, que se confundiam com dados concretos reais, discutia-se até que ponto aborígenes das Américas e de outras partes do mundo realmente pertenciam à espécie humana, com argumentos utilizados para negar a humanidade e justificar a escravidão e indígenas e africanos, em um contexto racista e preconceituoso.

Estas discussões criaram o conceito de desenvolvimento a partir de um estado primitivo, que justificava o domínio europeu sobre o mundo; uma vez que a Europa, o Velho Mundo, teria se aprimorado, atingindo o ápice civilizatório que pretendia propagar.

O que inaugurou a recusa do outro, a despeito de certa admiração pelas sociedades indígenas, vivendo ao estilo do paraíso cristão.

Entretanto, as tentativas de entendimento do outro, através de sua própria cultura, continuaram distorcendo a compreensão devido ao referencial centrado no “eu” ao invés do “eles”, carregado de conceitos pré-concebidos.

Herdeiro do Renascimento, da substituição do teocentrismo pelo antropocentrismo; das ideias de Copérnico e Galileu, do racionalismo cartesiano; o século XVIII aprofundou os estranhamentos do século XVI e XVII, marcou um projeto do que se tornaria os primórdios de uma ciência do homem.

O francês Jean-Jacques Rousseau, ao escrever O contrato social e A origem a desigualdade entre os homens, cunhou o conceito de “Bom Selvagem”, silvícola, homem primitivo vivendo mais próximo do estado natural humano, tal como qualquer um seria se não tivesse sofrido o processo civilizatório; observando e descrevendo o outro, isentando-se de valores morais, religiosos ou políticos.

Tendo como problemática central a relação entre natureza e cultura, Rousseau colocou o homem civilizado como degeneração da natureza, observando o outro com admiração, como dotado de qualidades.

É por isto que Claude Lévi-Strauss considera Rousseau como fundador da antropologia, uma opinião não compartilhada pela grande maioria dos teóricos.

Uma vez que, como salientou Laplatine, não existia ainda uma distinção entre o conhecimento cientifico e filosófico, com a antropologia inserida fortemente na filosofia especulativa, carecendo de sistematização metodológica.

Além do fato do discurso antropológico não se distinguir do relato histórico, repleto de um viés evolucionista, carregado de teor civilizatório europeu como ápice do progresso cultural.

A antropologia teria que aguardar algumas décadas para surgir como ciência no século XIX.

O nascimento da antropologia

A corrente mais aceita delimita o nascimento da antropologia vinculada com seu caráter biológico, atribuindo a Charles Darwin seu fomento, circunscrito ao século XIX.

Quando se confundiu com o surgimento da sociologia, segundo alguns continuando embaralhada com esta até a metade do século XX, ganhando então espaço e reconhecimento.

Neste sentido, diversos teóricos afirmam que Jean-Baptiste Lamarck poderia ser considerado o pai da antropologia no século XIX, visto que sua proposta para explicar o evolucionismo teria sido usada para entender as diferenças culturais provocadas pela adaptação dos povos ao meio.

No entanto, existe um consenso em considerar como pai da antropologia o polonês Bronislaw Malinowski; devido ao fat9 de ter iniciado os estudos etnográficos, trazendo para a área o rigor metodológico cientifico que ajudou a construir credibilidade acadêmica; como também por ter transposto o componente biológico, agregando a orientação social, depois conhecida como antropologia social.

Ao inserir a corrente funcionalista na antropologia, Malinowski propôs a observação da sociedade e da cultura como um todo, examinando o contexto social como um organismo vivo, um ser biológico que deveria ser estudado com objetividade cientifica.

Negando o evolucionismo e sua noção de estágios de desenvolvimento, foi contra o difusionismo, uma corrente que afirmava que a cultura seria transmitida por empréstimo, não nascendo no interior da sociedade estudada.

Os estudos do polonês dominaram o panorama antropológico entre 1922 e 1942, cunhando conceitos, métodos e técnicas que conferiram à antropologia um status de ciência voltada para o entendimento da lógica interna de cada cultura, sistematizando o conhecimento do outro pelo seu próprio prisma.

Teóricos de períodos anteriores e contemporâneos de Malinowski, por vezes, figuram nos manuais de antropologia como pais da ciência; como Edward Tylor (1832-1917), Lewis Morgan (1818-1881), Franz Boas (1858-1942), e Radcliffe-Brown (1881-1955).

Embora estes tenham contribuído para a construção da antropologia; o polonês Bronislaw (1884-1942), merecidamente, é considerado o pai da antropologia cientifica pela imensa maioria dos manuais.

Foi Malinowski o primeiro a propor a genealogia, a história de vida e a comparação, como método e instrumental da antropologia.

Porém, existe uma vertente que considera o francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) como pai da moderna antropologia.

A despeito da contribuição do estruturalismo para área, o centro do conhecimento antropológico, relacionadas ao social, foi estabelecido por Malinowski.

O entendimento das sociedades como sistemas, com relações de dependência mútua em uma estrutura hierarquizada, características intrínsecas do estruturalismo de Lévi-Strauss, já estava presente na proposta de Malinowski.

Lévi-Strauss, ao lado de outros, como o linguista Saussure, agregou novos elementos, configurando a corrente estruturalista e inaugurando a antropologia linguística; mas não pode ser chamado de pai do amplo contexto antropológico contemporâneo.

Tendo a antropologia nascido como estudo das sociedades das sociedades pré-históricas, depois convertido em observação das ditas sociedades primitivas contemporâneas; ganhou um tímido contorno de ciência, no século XIX, através da antropologia biológica, trazendo si a etnologia desde a antiguidade. Entretanto, carecia de métodos, instrumentais e técnicas cientificas.

Ao iniciar a antropologia cultural, Malinowski fundou a etnografia, propondo a observação participante, centro da moderna antropologia.

Por meio da qual a observação de um povo necessita da inserção completa do pesquisador dentro do seu objeto de estudo.

Ou seja, é preciso que o antropólogo vivencie as experiências para entender o outro por seu próprio prisma; justamente o que diferencia a antropologia da sociologia.

 

Bibliografia

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