A organização do sistema jurídico, a necessidade de algumas leis se ocuparem dos aspectos gerais e outros dos pormenores e a possibilidade de surgirem conflitos entre as leis justificam que estas sejam dispostas num sistema piramidal hierarquizado que tem, no seu vértice, a lei mais importante e, nos escalões sucessivamente inferiores, as leis cada vez menos importantes.

Como se disse, em sentido material, a palavra “lei” é utilizada para referir todo e qualquer diploma que contenha normas jurídicas de âmbito geral.

No ordenamento jurídico moçambicano os actos normativos segundo a ordem de importância decrescente eles obedecem a seguinte hierarquia:

  • A Constituiçãoda Republica de Moçambique
  • Tratados e convenções internacionais
  • Leis ordinárias da Assembleia da Republica
  • Decretos-leis
  • Decretos regulamentares
  • Resolução do Conselho de Ministros
  • Portarias
  • Despachos normativos

Em obediência a essa hierarquia dos actos normativos, havendo uma situação de conflitos entre dois actos normativos (normas), torna-se necessário saber qual deles prevalece, qual o diploma a aplicar.

A regra geral é de que a lei de grau inferior não poderá dispor contra a norma de uma lei de grau superior. Assim, em caso de contrariedade entre o conteúdo de duas ou mais leis, a lei de valor hierárquico superior provoca a cessação da vigência da lei de valor hierárquico inferior, por revogação desta.

Existem alguns princípios subjacentes à hierarquia das leis, que ajudam a resolver qualquer questão de conflito. Em síntese, esses princípios são os seguintes:

  1. As leis especiais prevalecem sobre as leis gerais;
  2. A lei de grau inferior não pode dispor contra norma de uma lei de grau superior;
  3. A hierarquia das leis respeita a hierarquia dos órgãos de que são emanadas;
  4. Os actos legislativos dos órgãos de administração nacional prevalecem sobre os actos legislativos dos órgãos de administração regional ou local e ambos sobre as leis dos órgãos corporativos

A Constituição

Segundo o Prof. Castro Mendes, a constituição é a Lei fundamental do Estado que fixa os grandes princípios da organização politica e da ordem jurídica em geral e os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos.

A constituição é designada lei fundamental, pois ai estão consagrados e protegidos os direitos, garantias e deveres fundamentais do cidadão e estabelecidas as regras de organização e funcionamento dos órgãos estaduais superiores, nomeadamente os que exercem o poder legislativo, pelo que é evidente que assume uma posição de supremacia sobre as leis ordinárias (emanadas por qualquer órgão estadual no exercício do poder legislativo).

Assim, as normas jurídicas contidas nas leis ordinárias que contrariem os preceitos da constituição padecem do vicio de inconstitucionalidade, não podendo ser aplicadas pelos Tribunais ou outros órgãos aplicadores do direito.

O nosso país rege-se por uma constituição escrita designada Constituição da Republica de Moçambique (CRM) que vigora desde 25 de Junho de 1975, logo após a independência. Foi revista em 1990 e em 2004 e em 2018 foi aprovada uma lei constitucional que altera alguns dispositivos constitucionais – Lei nº.1 /2018, de 12 de Junho

As normas constitucionais prevalecem sobre as demais, ou seja, tem um valor hierárquico superior as de quaisquer outras -Lei MAE.

2- Tratados e Convenções Internacionais

São leis emanadas de organizações Internacionais das quais Moçambique faz parte.

É discutível a posição das leis internacionais dentre os actos normativos que acima elencamos.

Algumas Constituições colocam os tratados e convenções internacionais num nível supraconstitucional(acima da constituição), outras no plano para constitucional(ao mesmo nível hierárquico que a constituição) e outras ainda num nível infraconstitucional (abaixo da constituição e ao mesmo nível que as leis ordinárias).

Da interpretação do nºs 1 e 2 do artigo 18 da CRM as leis internacionais são infraconstitucionais e, portanto, estão ao mesmo nível que os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da Republica e do Governo, conforme dispõe o nº 2 de artigo 18 da CRM, ou seja, os tratados normativos ocupam, na hierarquia das leis, posição intermédia entre a constituição, as leis e os decretos-leis.

Os tratados ou convenções internacionais não pedem violar a constituição.Igualmente, as leis, Decretos-leis e decretos não podem contrariar os tratados normativos.

3- Leis

Nas leis ordinárias intervêm o poder legislativo para a produção de lei stritosensu.Trata-se de lei em sentido formal ou solene e tem a ver com o mecanismo clássico de produção legislativa.

Processo de produção das leis e regulamentos.

  1. Iniciativa

Segundo o artigo 182 da CRM a iniciativa de Lei compete aos Deputados, aos grupos parlamentares, através de projecto de lei (iniciativa parlamentar), ao Presidente da Republica e ao Governo(Conselho de Ministros), por via de proposta de lei (iniciativa governamental).

2. Discussão e votação

Entregue o projecto ou proposta de lei na Assembleia da Republica, e sendo aceite e inscrito na ordem do dia do parlamento, haverá uma apresentação perante o plenário, podendo os deputados apresentar propostas de alterações (emenda, substituição, aditamento ou eliminação).

As propostas ou projectos de leis, uma vez admitidos, são enviados às comissões parlamentares especializadas que deverão elaborar parecer devidamente fundamentado.

No Plenário, tanto a discussão como a votaçãopassam primeiro pela generalidade ( a discussão incide sobre os princípios  e o sistema de cada projecto ou proposta de lei e a votação incide sobre cada um dos diplomas apresentados) e, posteriormente, pela especialidade( a discussão versa sobre cada um dos artigos, números ou alíneas),estando, ainda prevista a votação final e global – nºs 1 e 2 do artigo 183 da CRM.

Nos termos do nº.1 do art.186 a AR só pode deliberar validamente achando se presente mais da metade dos seus membros. As deliberações da Assembleia da Republica são tomadas por mais de metade dos votos dos deputados presentes – nº 2 do artigo 186 da CRM.

3. Promulgação

Após a aprovação pela Assembleia da Republica, os projectos ou propostas são enviadas ao Presidente da Republica para a promulgação sendo que a falta de promulgação determina a inexistência jurídica de lei n.º 1 e 2 3 e 4 do art. 162 da CRM.

A promulgação é o acto pelo qual o Presidente da Republica atesta solenemente a existência dalei e intima ou ordena que ela seja observada.

 Através do acto de promulgação o Presidente da Republica declara que um determinado diploma, elaborado por um órgão constitucionalmente competente, passa a valer como lei. O Presidente da Republica através da promulgação, exerce o controlo jurídico formal e material dos actospraticados no exercício do poder legislativo. A falta de promulgação determina a inexistência jurídica do acto.

É através da promulgação que o Presidente da Republica aprecia a conveniência e oportunidade de um acto normativo, bem como a sua legalidade e conformidade com a Constituição da Republica.

A promulgação não é um mero acto de fiscalização da regularidade da sua elaboração, é também um acto de natureza politica, podendo o Presidente da Republica vetar a lei – nº 3 e 4 do artigo 162 da CRM.

O veto significa a discordância por parte do Presidente da Republica acerca do acto legislativo ou por razoes de falta de conveniência ou de demérito daquele acto ou pelo facto de ser ilegal ou inconstitucional.

4. A Publicação

A publicação é o meio de levar a lei ao conhecimento dos seus destinatários. Para poderem ser aplicadas, para terem eficácia, as leis têm de ser publicadas. A lei só se torna obrigatória apos a sua publicação em Boletim da Republica. A falta de publicação acarreta a ineficácia da lei, nos termos do nº. 1 e 2 do art. 162 e alínea a) do n.º1 do artigo 143 ambos da CRM conjugado com o nº. 1 do artigo 5 do Código Civil.

O Artigo 143 da Constituição da República de Moçambique elenca os actos sujeitos a publicação no Boletim da República, fixando a consequência da ineficácia jurídica para a falta de publicação.

A presunção de que a lei em vigor é devidamente conhecida por quem a deva respeitar é que determina o princípio segundo o qual, a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento e nem isenta das sanções nelas estabelecidas, consagrado no Artigo 6 do Código Civil.

Entrada em Vigor

A ultima fase do processo legislativo é a que respeita a entrada em vigor da lei, ou seja, o inicio da vigência das normas constantes do diploma legal.

Com a publicação complementam se todos os requisitos de entrada em vigor de lei, mas entre a publicação e a entrada em vigor da lei há sempre um lapso de tempo a que se chama vacatiolegis.

Vacatiolegis é, portanto, o período que medeia entre a publicação e a entrada em vigor de uma lei.

A regra geral consta do nº2 do artigo 5 do Código Civil que estabelece que “entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especifica”.

A legislação especial é, no caso moçambicano, a que está contida na Lei nº 6/2003, de 18 de Abril.Esta lei estabelece no n.º 1 do seu Artigo 1 que, as leis entram em vigor 15 dias após a sua publicação no Boletim da República, salvo quando o próprio dispositivo legal em questão determina outro prazo para a sua entrada em vigor. Acrescenta ainda o n.º 2 do Artigo 1 da citada lei que, o prazo em referência conta da efectiva publicação das leis e demais diplomas legais, sendo este que neles deve constar.

  • Os Decretos –Leis

são elaborados pelo governo e versam sobre matérias de exclusiva competência da AR mediante leis de autorização legislativa provinda da AR, nos termos dos artigos 180,181 e 209 e de al c) do nº. 1 do art 143 todos da CRM, sendo assinados e mandados publicação pelo Presidente da Republica – nº.3 do art.209 CRM.

      5- Decretos

São actos normativos emanados pelo executivo no desempenho das suas competências constitucionalmente estabelecidas com o objectivo principal de levar acabo as suas atribuições.

Os decretos podem ser elaboras pelo PR , (Decretos Presidenciais ) ou pelo Governo nos termos do disposto no art. 157 conjugado com o nº.1 do art 209 ambos da CRM.

  • Regulamentos

Também são actos do poder executivo para facilitar a execução das leis, as quais a sua vigência e obrigatoriedade tem tal necessidade. As autarquias locais gozam igualmente do puder regulamentos -art 286 de CRM, podendo elaborar regulamentos e posturas.

Cessação da Vigência das Leis –art.7 do Código Civil

Vimos já como entra em vigor uma lei. As leis, em principio, fazem-se para durar. Quando o legislador as formula, fa-lo normalmente para que tenham uma duração indefinida, permanecendo em vigor até que sejam suprimidas por outras leis. Mas nem sempre é assim, pois há leis que contem desde logo um fim temporal previsto, um limite à sua vigência e quando chega esse termo a lei deixa de vigorar. Também não é assim porque o próprio direito é mutável, sendo por isso que, uma lei que entra em vigor, há de, eventualmente, deixar de vigorar.

Assim, temos duas formas de cessação da vigência de uma lei, como resulta da analise do vertido no artigo 7 do Código Civil:(i) Caducidade e (ii) Revogação

Caducidade – consiste no termo de vigência da lei em consequência da verificação de um facto previsto pela própria lei, ou quando esta estabelece um prazo de duração (leis temporárias). Nº 1 do artigo 7do Código Civil

A caducidade da lei acontece nos seguintes casos:

– Estamos perante uma lei temporária e é o próprio diploma legal que determina a data em que a mesma deixará de vigorar; assim, quando chega aquela data, a lei caduca.Aqui a lei estabelece expressamente no seu texto o prazo durante o qual se mantiverá em vigor, caducando logo que esse período de tempo decorrer.

– Estamos perante uma lei temporária que determina a sua vigência até a data em que será revista por um outro diploma legal; deste modo quando entrar em vigor esse novo diploma, a lei antiga deixará de vigorar e se não houver novo diploma, mantem-se a lei vigente.

– Estamos perante uma lei que se destina a regular uma determinada realidade e esta, definitivamente, deixa de existir, tornando inútil a lei então existente, como por exemplo uma lei para expo 2020 ou para o Africano de 2020.

Na caducidade não existe manifestação da vontade do legislador e resulta de causas intrínsecas ou circunstancias inerentes a própria lei.

Revogação– consiste no termo da vigência da lei em consequência da entrada em vigor de uma nova lei de valor hierárquico igual ou superior.É, pois o afastamento da lei por outra lei de valor hierárquico igual ou superior– nºs 2, 3 e 4 do artigo 7 do Código Civil.

Constitui o processo normal de cessação de vigência de uma lei e resulta de uma nova manifestação de vontade do legislador por meio de uma nova lei, expressa ou implicitamente oposta á contida em uma lei anterior.

Quanto extensão ou alcance, a revogação pode ser total ou parcial. À revogação total chama-se abrogação e à revogação parcial da lei chama-se derrogação, conforme sejam revogadas todos as disposições de uma lei ou só parte deles.

Quanto á forma, a revogação pode ser expressa ou tácita. A revogação é expressa quando é a própria lei revogatória que identifica a lei revogada e pode faze-lo identificando a lei revogada ou as disposições revogadas de determinada lei, pela expressa referência à sua identificação.

Expressa quando a nova lei concretamente declara que fica revogada, no todo ou em parte, determinada lei anterior.

A revogação tácita verifica-se quando, sem haver revogação expressa, as normas da lei posterior são incompatíveis com as da lei anterior. Nesse caso prevalece a lei nova, revogando a anterior, uma vez que não podem subsistir duas leis contraditórias, dando se preferência à que exprime a vontade mais recente do legislador.

No caso de revogação tácita e tratando-se do confronto entre leis gerais e especiais, interessa fixar as seguintes regras:

– A lei geral não se revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador – nº 3 do artigo 7 do Código Civil.

Chama-se lei especial à lei cuja previsão se insere na de outra lei (lei geral), como caso particular para estabelecimento de um regime diferente.

Exemplo, o artigo 218 do Código penal dispõe que“Aquele que tiver coito com qualquer pessoa, contra sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a vitima privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crimede violação e será punido com a pena de prisão maior de 2 a oito anos”. Mas o artigo 222 do mesmo diploma legal, prevê a violação, dispondo agora que as penas serão substituídas pelas imediatamente superiores (…) al. f)”se a violação for cometida por pessoal pertencente às forças armadas, paramilitares, policia ou segurança privada”.

Temos assim no exemplo anterior que a norma do artigo 222, na sua previsão, já cabia na do artigo 218, de tal modo que se não existisse o artigo 222 o caso nele previsto caía inteiramente no âmbito do artigo 218. O que o artigo 222 faz é selecionar uma hipótese particular (especial) das muitas que cabiam no artigo 218 para estabelecer um regime de punição diferente em relação com aquele.

– A lei especial revoga a lei geral- lexspecialisderrogetlegigenerlli.

A lei especial destina-se a regulamentar matérias disciplinares, casos especiais, que necessitam de disciplina diferente da prevista na lei geral.

Quid júris se uma lei que revogara outra é, por sua vez revogada. Tal facto implicará, por si só, a vigência da primeira lei revogada?

Existe no Código Civil o princípio de não repristinação. Quando o legislador revoga uma lei revogatória de outra anterior não se dá, como regra, a repristinação, ou seja, o renascimento da lei que anteriormente tinha sido revogada. Por outras palavras, a revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara – nº.4 do artigo 7 do CC. Em algumas situações a lei nova pode determinar o efeito repristinatório.

Assim, temos que a repristinação é a restauração automática de uma lei já revogada, pelo facto da revogação da lei que a revogou.

Exemplo, supõe se a sucessão de três leis – (A), (B) e (C). A lei (B) revogou a lei (A)e a lei (C), por sua vez, revogou a lei (B). O facto de a segunda lei (B), revogatória da primeira (A), ser por sua vez revogada pela terceira (C), não opera a repristinação da primeira, isto é, não a faz renascer, não põe de novo em vigor a primeira lei (A).