O advento do capital indiano em Moçambique

A chegado dos árabes em Moçambique

Os árabes foram os primeiros povos estrangeiros que chegaram a Moçambique no séc. IX, provenientes da Pérsia (península arábica), ou seja, do Golfo Pérsico e fixaram se primeiramente na região costeira, concretamente na Ilha de Moçambique e Quelimane, e mais tarde, a partir do século XIII maior número de asiáticos fixaram-se em entrepostos comerciais na costa oriental africana no vale do Zambeze e no planalto do Zimbabwe.

Geógrafos referem que no séc. X (943 n.e) desenvolveu-se um comércio activo nas terras de Sofala (Zanj).Al–Massudi por exemplo viajante e geógrafo que descreveu sobre o comércio de Sofala.

Portanto, a actividade mercantil asiática na conta norte de Moçambique teve início por volta o séc. IX, mais os indianos só chegaram a partir de 1687. O ouro produzido no interior e o marfim inicialmente fornecido pelos caçadores macuas foram os primeiros produtos de troca em Moçambique. Em troca, os chefes moçambicanos recebiam tecidos de seda, louça de vidro e porcelanas.

A presença indiana em Moçambique

Os muçulmanos de Moçambique encaravam a educação nas mesquitas e escolas corânicas como um veículo popular, ainda que disciplinador e regulamentado, para a conversão do maior número de crianças e adultos africanos nativos. O que levou as autoridades portuguesas na região da Zambézia a atitudes plenas de receio e desconfiança.

“Os muitos Moiros, que das partes da Índia para esta parte vem, com os quais se ligão logo estreitamente os Gentios apadrinhando os no que podem, e aparentando-se com elles nas mancebias que publicamente se vêm; e tanto assim hé para ponderar, que no anno passado de 1758 remeteu a esta Praça Manoel Gonçalves Barreto Capitam mor do Porto de Inhambane cinco Moiros, que havia annos se achavão naquellas terras, e os mandou por achar terem escolas de Lingoa arabia, nas quais documentavão os cafres daquele Paiz na dita lingoa, e he de reparar que os não doutrinavão senão na lingoa morisca”. (Copia da representação dos Irmãos da Santa Casa de Misericórdia de Moçambique ao Rei, 2 de Janeiro de 1759. AHU, cod. 1332, fl 122).

Outro aglomerado importante de afro-muçulmanos presente nos domínios portugueses era o da Ilha de Moçambique. Dedicavam-se tanto ao comércio, como à navegação. Em ambas as actividades atingiram posto de relevância, pois como práticos de navegação, pilotos e marinheiros, conhecidos como lascares, tinham uma posição crucial no comércio costeiro e transoceânico. A importância destas tripulações é revelada por possuírem direitos iguais aos dos portugueses, no que se refere ao transporte gratuito de certas quantidades de mercadorias, e que podiam vender nos portos subalternos.

Os comerciantes indianos e Portugueses em Moçambique

No final do século XVIII, a população moçambicana islamizada que habitava na Ilha de Moçambique, no Mossuril e nas Cabaceiras, formava um contingente de cerca de vinte mil indivíduos. Afora os que habitavam nas pequenas povoações situadas ao norte da Ilha de Moçambique.

Embora existissem outros núcleos espalhados por toda a costa norte do território moçambicano, estes mantinham certa autonomia em relação aos portugueses. Desde os princípios da inserção portuguesa na África Oriental, o contacto luso-suahíli foi constante.

Assim como no litoral ocorreram vários embates entre os portugueses e as cidades-estado suahílis, também no interior do continente houve uma guerra surda à forte presença suahíli, para que Portugal se afirmasse política e economicamente.

Como escreve Joaquim José Varella em trecho de seu relato sobre a Ilha de Moçambique, “Duas vezes foi atacada esta praça pelos arabios, nossos inimigos capitaes, que rezedião espalhados do tempo da sua fundação nestas d’Affrica.”.

A comunidade suahíli e suas actividades comerciais nunca deixaram de ser uma presença incómoda para os portugueses. Espalhados por localidades sob a administração portuguesa ou fixados em xecados e sultanatos pulverizados ao longo de todo litoral moçambicano, não só mantinham fortes conexões entre si, mas também com outros núcleos situados mais ao norte  para além do Cabo Delgado, constituindo-se em interlocutores de peso neste espaço do Oceano Índico.

O grupo mais influente entre os hindus presentes na África Oriental era constituído pelo baneanes que eram uma casta de comerciantes que agia originalmente em Cambaia. Foram expulsos para Meca e Guzarate, se dirigindo posteriormente para as praças comerciais de Damão e Diu. Nesta última, vieram a formar a Corporação dos Manzanes, com o objectivo de monopolizar o comércio de Diu com as possessões portuguesas da África Oriental.

Na maior parte dos casos, o termo baneane era aplicado a membros de diversas castas hindus e jainas, mas também era, muitas vezes, extensivo aos parses e a indivíduos de outras castas que faziam do comércio, da banca e da usura, as suas principais ocupações.

Charles Boxer considera que a imagem formada pelos europeus até o século XVIII sobre os comerciantes baneanes e sua presença na África Oriental não gozava de unanimidade.

Então, como agora, os europeus estavam profundamente divididos nas suas opiniões acerca desta gente que se revelou como mais ubiquitário e pertinaz concorrente do que os suaílis. A maior parte dos portugueses denunciou os baneanes como monopolistas sem escrúpulos e açambarcadores, ou como intermediários parasitas que prosperavam à custa da exploração tanto do colono europeu como do camponês africano.

“Alguns dos jesuítas, no entanto, tinham uma opinião muito diferente, e diziam que os indianos eram muito melhores colonizadores e negociantes que os portugueses. A comunidade mercantil indiana de Diu, na ilha de Moçambique, estava sob a protecção do colégio jesuíta local. Alguns dos governadores eram severamente críticos acerca dos baneanes, mas outros afirmaram que eles formavam o suporte económico da colónia e eram uma comunidade muito trabalhadora e inofensiva”. (BOXER, 1977: 67).

Essa síntese de Boxer a respeito da opinião dos reinóis sobre os baneanes é compatível com as informações coletadas por quem trabalhe com as fontes moçambicanas setecentistas, uma vez que se constata que no seio da comunidade baneane residente na costa oriental africana, a par de uma pequena elite de mercadores cujos membros eram frequentemente intermediários dos Manzanes de Diu -, coexistia uma multidão de pequenos negociantes ambulantes, caixeiros e artesãos – muitas vezes chamados de “vadios” e “peralvilhos” -, que não só negociava por todo o território moçambicano em nome dos ricos comerciantes indianos, como também, transportavam pequenas quantidades de fazendas próprias e consignadas, tirando assim partido dos pequenos negócios que realizavam.

Em 1686, através do Vice-Rei Francisco de Távora, os baneanes tiveram acesso a condições privilegiadas para a constituição de uma companhia privada de comércio para actuar em Moçambique. Os primeiros baneanes a chegar, acompanhados pela sua criadagem, eram os delegados desta companhia.

A companhia dos Mazanes

Em Moçambique estiveram instalados dois sistemas de exploradores e ou comerciantes: A coroa portuguesa com a sua sede em Lisboa e os Prazeiros com uma parte em Lisboa e outra na Índia.

Destes, a maioria parte da riqueza comercial era canalizada para Goa – Índia, onde uma elite comercial se estabelecera luxuosamente em Goa, Diu, etc, e o que chegava a Lisboa era em pequena escala.

Era através de Goa que a coroa portuguesa administrava Moçambique. O capitão-geral de Moçambique estava subordinado ao vice-rei de Goa. No séc. XVII, a Índia tornou-se verdadeiramente “metrópole” mercantil de Moçambique no que diz respeito à acumulação do capital quando os primeiros indianos começaram a chegar à Ilha de Moçambique.

Em 1686, o vice-rei de Portugal formou em Diu uma Companhia chamada Companhia dos Mazanes, composta por ricos armadores e mercadores indianos, a qual obteve o monopólio do comércio entre Diu-Índia e Moçambique, bem como extensos privilégios comerciais em termos de fretes, apoio logístico, ajuda oficial portuguesa, etc.

Na sequência da formação da companhia dos Mazanes, os mercadores indianos foram chegando no nosso país, os primeiros 7 em 1687 e fixaram-se na Ilha de Moçambique. Ano após ano, passaram ao Interland da Ilha, depois ao vale do Zambeze, Inhambane e em Lourenço Marques.

O principal objectivo (papel) da criação da Companhia era de controlo do comércio do ouro (séc. XVI-XVII) e mais tarde de marfim e escravos.

A formação desta companhia foi programada em Goa e não em Lisboa pelo interesse da nobreza portuguesa na Índia e não da estabelecida em Portugal. Esse facto reflectiu contradições dentro da própria classe dirigente portuguesa (pele obtenção do maior bocado da mínima colonial mercantil), culminando com a separação de Moçambique de Goa em 19 de Abril de 1752, altura em que o nosso país passou a ter um estatuto próprio de subordinação à Lisboa, onde D. Francisco de Melo e Castro foi nomeado Governador-General.

A principal atividade comercial

Os baneanes vieram a monopolizar tanto o atacado como o varejo no comércio de importação. Inicialmente, suas actividades concentravam-se na Ilha de Moçambique, e apenas posteriormente foram autorizados a levar suas actividades comerciais também para o interior do continente.

Estas concessões eram sucessivamente autorizadas ou revogadas, conforme os baneanes conseguissem ou não corromper os governadores gerais. Chegaram até mesmo a fundar casas comerciais nos Rios de Sena. Os estabelecimentos baneanes comercializavam mercadorias diversificadas em regime de monopólio.

Haviam até 1793, 13 comerciantes baneanes bem abastados na Ilha de Moçambique, proprietários de várias casas e armazéns, além de muitos baneanes e muçulmanos indianos, que forneciam escravos para as forças militares portuguesas.

Produtos comercializados

A visão europeia comummente apresentava os indianos, tanto da Índia como de Moçambique, como uma “multidão de vadios (…) todos peralvilhos da mayor pobreza”. (Carta do Governador de Moçambique, Baltazar Pereira do Lago, para o Rei, sobre as razões que o levaram a extinguir a Companhia de Comercio do Mujaos, 20 de Setembro de 1768.

Os estabelecimentos baneanes comercializavam mercadorias diversificadas em regime de monopólio. A opinião sobre a conduta baneane quanto aos negócios é bastante negativa, uma vez que são comummente acusados de serem usurários, ardilosos, interesseiros e de manifestarem má-fé nos contratos.

Por outro lado, eram considerados como humildes, pacíficos e bons pagadores. Embora concedessem crédito em escala considerável, nos casos de não pagamento eram implacáveis, executando os devedores e tomando-lhes os bens imóveis, caso necessário.

A extinção da companhia dos Mazanes e suas consequências

Em 1777, a Companhia dos Manzanes foi extinta, e então os baneanes permaneceram na actividade comercial por conta própria. Com o tempo foram se apoderando não só das casas, mas também dos palmares e escravos dos moradores da Ilha.

O governador Pedro Saldanha de Albuquerque conclui sua exposição sobre os baneanes de 1783, com as seguintes palavras:

“Estes homens de nada servem, para nada são úteis, e atodos cauzão danno, pois que ou corrompem ou roubão; os seus Cabedaes e os seus dinheiros não approveitão ao Estado em que jazem (…). Se o meu parescer fosse pedido n’esta ocasião disséra, que o melhor e mais seguro remedio he lançalos fora, e extingui-los totalmente, não só d’esta Capitania, mas de Goa, Diu e Damão, e de todo o dominio Portuguez aonde apparescer.” (BOTELHO, 1835: 88).

Não é muito difícil perceber que na raiz de tal opinião, marcada pela incompreensão e até certo ódio aos baneanes, se encontra a inveja suscitada pelos invulgares meios de fortuna acumulados em curto espaço de tempo.

Essa não é uma opinião isolada de um administrador português, mas sim quase um lugar comum, que era, no entanto, contrabalançado por uma atitude ou espírito tolerante, demonstrado pela ausência de qualquer acção ostensiva contrária à comunidade baneane, em razão do reconhecimento de que estes exerciam um relevante papel social. Por exemplo, eles exerciam as tarefas artesanais, pela falta de artífices portugueses.

Essa ambiguidade também é encontrada em outras regiões da costa oriental africana, uma vez que em 1781, os moradores da Zambézia se insurgiram contra a presença dos comerciantes baneanes nos Rios de Sena.

No entanto, não se deixa de reconhecer que eram eles os responsáveis pelo abastecimento daquela população e os únicos a sustentar o comércio de Damão e Diu com Moçambique.

Consequências da presença indiana em Moçambique

Os baneanes vieram a monopolizar tanto o atacado como o varejo no comércio de importação. Inicialmente, suas actividades concentravam-se na Ilha de Moçambique, e apenas posteriormente foram autorizados a levar suas actividades comerciais também para o interior do continente.

Estas concessões eram sucessivamente autorizadas ou revogadas, conforme os baneanes conseguissem ou não corromper os governadores gerais. Chegaram até mesmo a fundar casas comerciais nos Rios de Sena.

Além de monopolizarem o comércio, pode se dizer que o hindu (religião indiana) é reflexo da presença indiana em Moçambique e que tem mais de quinhentos anos o que pode ser visível pela construção de templos em várias regiões urbanas e rurais do país, como o templo de Maputo, o templo de Salamanga, em Marracuene, o templo hindu de Inhambane, o templo hindu da Ilha de Moçambique, em Nampula, e o templo hindu de Palma, em Cabo Delgado. Tal como os ismaelitas, a maior parte dos hindus que vive em Moçambique, dedicam-se ao comércio.

 

Conclusão

Findado o trabalho, concluiu-se que, a presença de asiáticos em Moçambique, em particular indianos, tem vários séculos e ocorreu, tanto no âmbito das relações comerciais anteriores à colonização portuguesa, como no processo dessa colonização e, mais recentemente, do desenvolvimento socioeconómico do país independente.

Essa presença tem sido reconhecida e analisada por historiadores, antropólogos e sociólogos. Alguns linguistas, no contexto da análise de línguas em contacto nessa região do Oceano Índico, também fazem referência à presença asiática.

O comércio em Cabo Delgado ea feito com Portugal, a norte por árabes embora passando em boa parte pelos baneanes, mercadores indianos da península do Guzerate, que tinham forte presença na Ilha. No continente, no princípio do século XVII, começa a expansão do império Marave, que chega até à Ilha. Nos finais do século foi enfraquecendo e abandonou o território dos Macuas e dos Lomwés. Surgiram então os Yao (Ajuas) que criaram uma nova rota comercial entre o Lago Niassa (Malawi) e a Ilha.

Problemas em Diu levaram as autoridades portuguesas, em 1687, a autorizar a instalação, na Ilha, da Companhia dos Baneanes, criada um ano antes, que ficou com o monopólio do comércio com Diu.

A economia local ressentiu-se com este monopólio, sendo causa significativa da sua decadência. Este mau período prolongou-se pela primeira metade do século XVIII e assim inviava a nova fase.

 

Bibliografia:

ANDRADE, António Alberto de. Relações de Moçambique setecentista. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1955.

ANTUNES, Luís Frederico Dias. O bazar e a fortaleza em Moçambique: a comunidade baneane do Guzerate e a transformação do comércio afro-asiático (1686-1810). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Tese de Doutoramento, 2001.

BOTELHO, Sebastião Xavier. Memória estatística sobre os domínios portugueses na África Oriental. Lisboa: Typographia J. B. Morando, 1835.

BOXER, Charles R. Relações raciais no Império Colonial Português. Porto: Afrontamento, 1977.

HOPPE, Fritz. A África Oriental Portuguesa no tempo do Marquês de Pombal, 1750- 1777. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1970.