O TRATADO DA CRIAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO REGIONAL MILITAR

Este capítulo busca discutir sobre o Tratado da criação de uma organização regional militar para a formação de um sistema comum de defesa, celebrado pelos Estados de Moçambique, África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia, Malawi e Tanzânia.

1.1.Quadro teórico-conceptual

1.1.1.Direito Internacional Público

De acordo com Gutier (2011), o Direito Internacional Público tem suas origens no século XVII, concretamente na pós-formação dos Estados-Nação, que possuem as características que actualmente são conhecidas. O ponto que se constitui como limite do surgimento do Direito Internacional Público foi o fim da Guerra dos 30 anos, em 1648, marcado pelo Tratado de Vestefália, quando nasce a soberania nacional. Como se pode elucida, deste Tratado demarcou-se:

  • Soberania entre os Estados;
  • Obrigação de não intervenção nos assuntos internos;
  • Igualdade jurídica.

Gutier (2011) entende o Direito Internacional Público no entanto que um conjunto de princípios e normas, podendo serem positivados ou costumeiros, que, na íntegra, procuram representar o direito e deveres aplicáveis no âmbito internacional, perante a sociedade internacional. Ou ainda, o Direito Internacional Público pode-se tomar como um sistema normativo de regência de relações exteriores entre actores internacionais. Tem como objecto os Estados, na regência de actividades inter-estatais.

A Sociedade Internacional não deve ser confundida com a Comunidade Internacional. A primeira refere-se aos sujeitos formados por Direito Internacional, entre os quais se destacam Estados, Organizações Internacionais, Empresas e Indivíduos, ao passo que a Comunidade Internacional, é marcada, precipuamente, pela união natural, que se refere a laços de cunho social, cultural, familiar, religioso.

1.1.2.Direito Internacional versus Direito Interno

No âmbito da análise do Direito nas duas dimensões (internacional e interno), as perspectivas referentes a esta análise são agrupadas em duas teorias, nomeadamente, Teoria Monista e Teoria Dualista. A Teoria Dualista defende que os Direito Internacional e Interno são dois sistemas distintos, independentes e por isso separados. Ora, no Direito Internacional trata-se de relações entre Estado, ao passo que o Direito Interno trata da regulamentação das relações entre indivíduos. E outro aspecto a considerar é de que o Direito Internacional é dependente da vontade comum de vários Estados, sendo, na contracorrente, o Direito Interno dependente da vontade unilateral do Estado. Portanto, como consequência, o Direito Internacional não se sobrepõe em criar obrigações para um individuo, sem que as normas deste Direito se vissem transformadas em Direito Interno. (Accioly, Silva & Casella, 2019)

Na vertente da Teoria Monista, que se baseia na norma superior, o Direito é apenas um, independentemente deste apresentar-se nas relações de um Estado ou nas relações internacionais. Esta teoria apresenta duas perspectivas, uma que é a da Primazia do Direito Internacional, que defende que o Estado é compatível com a lei interna, e em caso de conflito, haveria prevalência do Direito Internacional. Já a outra perspectiva, contrária a primeira, defende que num eventual conflito, a prevalência seria da lei interna, do Direito Interno, é a perspectiva de Primazia do Direito Interno. (Jorge, s/d.)

1.1.3.Tratados

Falar de tratado é referir-se a um acto jurídico através do qual manifesta-se um acordo de vontade entre dois ou mais sujeitos do Direito Internacional. Trata-se da expressão genérica de que são espécie outras denominações como convenção, concordatas, compromisso, declaração, etc.. Entretanto, o elemento mais importante a ter em conta num tratado, ou noutro qualquer documento mencionado, é a expressão do acordo ligado a vontades, estipulando direitos e obrigações entre sujeitos do Direito Internacional. (Accioly, Silva & Casella, 2019)

Ainda os mesmos autores defendem que os tratados podem ser classificados de acordo com diversos critérios. Assim:

  • Quanto ao número dos Estados-Partes encontram-se: tratados bilaterais; tratados plurilaterais; e tratados multilaterais.
  • Quanto a generalidade de suas disposições: neste critério encontram-se convenções gerais convenções específicas.
  • Quanto a natureza jurídica: neste classificam-se os tratados quanto a imperatividade da norma, na qual se integram tratados de direito dipositivo e tratados de direito cogente; e quanto ao tipo do interesse, encontram-se tratados-contractos e tratados-leis.

A validade dos tratados é dependente da capacidade das partes envolvidas para o efeito. Depende, igualmente, de que os agentes apresentem-se habilitados, tenham consentimento mútuo e que o objecto do tratado seja lícito. (Ibid.)

1.2.Estudo do caso: tratado da criação de uma organização regional militar

  1. Argumente o caso hipotético acima descrito usando todos os seus conhecimentos sobre o Direito Internacional Público.

A segurança de um Estado é um dos elementos de extrema importância que asseguram, inegavelmente, o desenvolvimento do próprio Estado. Portanto, é importante que os Estados engajem-se na busca de esforços que visem garantir a sua segurança. Na visão de Accioly, Silva & Casella (2019):

A repressão ao terrorismo internacional, por ser questão intrinsecamente internacional, que, por definição, não respeita fronteiras de estados, não pode ser tratada como questão interna, exigindo tratamento internacional. (…) Sejamos maduros e firmes para insistir na necessidade de resposta internacionalmente coordenada, sob pena de ensejar guarida aos duvidosos oportunismos neste actual contexto. (p. 821)

Portanto, do extracto acima, pode-se entender que a posição de Moçambique, de celebração de Tratado com os Estados Malawiano, Zimbabwiano, Tanzaniano, Zambiano e Sul-Africano, na criação de uma organização regional militar, para a formação de um sistema de defesa entre os seis Estados, em causa, constitui uma das formas importantes de busca de soluções para o reestabelecer estabilidade ao nível da região e, conjuntamente, lutar contra o terrorismo que, nos ultimo tempos, acabou alcançando parte do território Tanzaniano.

Por tratar-se de Estados soberanos, entende-se que estão em condições e/ou habilitados para a celebração deste tratado e é legítimo o sentimento de vontade mútua para a celebração deste acordo, que tem enquadramento no contexto do Direito Internacional. Considerando as restrições que são criadas pelo Direito Internacional para a intervenção de um Estado nos assuntos internos de um outro determinado Estado, o Tratado celebrado pelos seis Estados constitui um elemento fundamental que permite e regula a intervenção de outros Estados nos assuntos de segurança interna de Moçambique que, podem, sem dúvidas, conter o alastramento do terrorismo que assola a região nortenha do país, concretamente a Província de Cabo Delgado. Dito de outra forma, no contexto do Direito Internacional Público, o tratado celebrado pelos seis Estados constitui a condição sine qua non para a conjugação de esforços inter-estatais na contenção do terrorismo, na medida em que confere competências aos Estados-parte do Tratado para a sua intervenção nesta luta.

  1. Validade do pacto sob ponto de vista internacional, regional e interno

A validade deste pacto, do ponto de vista internacional, é na ordem de busca de soluções legítimas para a luta contra os crimes ligados ao terrorismo. Buscando-se, portanto, a obrigatoriedade dos Estados pactuantes na luta conjunta contra o terrorismo. Ora, isto impede, internacionalmente, o envolvimento dos Estados em causa em lutas cujos crimes não se relacionem com o terrorismo, podendo somente ocorrer mediante a expressão formal de solidariedade entre os membros pactuantes. Ora, na vertente internacional, com longo alcance, este pacto pode influenciar para a celebração de tratados noutros países que têm sido alvos frequentes de crimes terroristas.

No plano regional, o pacto em causa, ainda que tenha sido assinado por Estados Soberanos no contexto do Direito Internacional Público, só é valido dentro dos limites jurídico-legais previstos na SADC que, por sua vez, incorpora o pacote de segurança. Desta forma, este pacto subjuga-se a organização regional, devendo, portanto, respeitar os poderes emanados a ela.

Sob ponto de vista interno, considerando que Moçambique manifestou interesse de contar com ajuda internacional, concretamente dos países da região e ao redor, entende-se que o pacto tem validade no contexto dos propósitos explícitos que, no caso são de um sistema de combate aos crimes terroristas.

  1. O peso que esse tratado tem na ordem jurídica moçambicana

Considerando o facto de o ser geralmente aceito o princípio do Direito Internacional de que, nas relações entre Estados assinantes dum tratado, os dispositivos do Direito Interno não podem prevalecer sobre o tratado, entende-se que na Ordem Jurídica Moçambicana, o tratado em causa possui um peso que não pode ser limitado por elementos jurídicos internos. Com efeito, a ordem jurídica moçambicana perde algum poder em relação ao cumprimento da obrigatoriedade imposta a Moçambique pelo tratado assinado, pois este exclui a possibilidade de Moçambique eximir-se ao cumprimento de seus deveres dentro do sistema criado pelo tratado.

É preciso que se perceba que este tratado anula o princípio jurídico-constitucional que protege Moçambique de interferências dos Estados estrangeiros, mas esse princípio é somente nula nos casos em que a interferência refira-se a um dos Estados assinantes do Tratado e que se esteja a tratar de matérias ligadas a segurança contra o terrorismo, visto que as disposições da lei interna não podem prevalecer sobre as disposições do tratado, tendo como base a teoria monista que reconhece a primazia do direito internacional.

Estes elementos explicam claramente que a partir do momento em que Moçambique assinou o tratado em causa, comprometeu-se simplesmente a adoptar as medidas emanadas do tratado, com vista a garantir o cumprimento adequado da norma. Entretanto, em caso de o tratado lesar a integridade interna do Estado Moçambicano, o recurso da ordem jurídica moçambicana consiste simplesmente na denúncia do tratado, visto que o Direito Internacional apresenta-se como estância superior em relação ao Direito Público interno.

  1. Classifique o tratado quanto ao critério do número das partes.

A classificação de um tratado quanto ao número de partes proposta por Accioly, Silva & Casella (2019), defende a existência de (i) tratados bilaterais, quando celebrados entre duas partes; (ii) tratados plurilaterais, quando são celebrados por mas de duas partes; e (iii) tratados multilaterais, quando são celebrados por mais de duas partes, sendo no interior de uma organização internacional.

Tendo em conta a classificação acima, depreende-se que o Tratado em causa pode-se classificar como Tratado Multilateral, visto que foi assinado por mais de duas partes, que no caso são seis Estados e, ter sido ainda assinado por Estados que são parte de organização internacional (União Africana), que trata de assuntos sociais, políticos, económicos e culturais do continente.

4. Conclusão

O trabalho abordou o tratado que cria o sistema comum de defesa entre Moçambique, África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia, Malawi e Tanzânia, que no fundo busca segurança para fazer face aos ataques terroristas a nível da região, que actualmente assolam o norte de Moçambique. Como conclusão, refira-se que o Tratado encontra seu fundamento no Direito Internacional Público que defende que todo o Estado soberano tem poder para a celebração de tratados.

Considerando que os Estados que celebraram um tratado de dimensão internacional perdem certa autonomia nos assuntos internos pela prevalência do Direito Internacional sobre o Direito Interno, conclui-se que o peso do tratado para a ordem jurídica de Moçambique consista na limitação desta ordem em certos aspectos atinentes a segurança contra ameaças terroristas, pois uma parte importante passa para gestão do sistema criado pelo tratado em causa.

 

Bibliografia

Accioly, H.; Silva, G.; Casella, P. (2019). Manual de Direito Internacional Público. 24 ed. São      Paulo: Saraiva.

Gutier, M. S. (2011). Introdução ao Direito Internacional Público. Uberaba – MG.

Jorge, E. G. (s/d). Manual do Curso de Licenciatura em Administração Pública. Beira: ISCED.