Longa discussão tem sido travada sobre a perspectiva a adoptar para pensar e descrever a evolução das ciências. Trata-se, sobretudo, de determinar a relação de novos conhecimentos com os anteriores: os conhecimentos novos são do mesmo tipo que os anteriores e sua consequência natural (continuísmo). Os novos conhecimentos rompem com os anteriores e exigem perspectivas radicalmente novas (descontinuísmo).

a) O continuísmo

A imagem continuísta é ingénua do desenvolvimento das ciências: o modelo linear e acumulativo Segundo a imagem continuísta e ingénua do desenvolvimento científico, imagem ainda reinante ao nível do senso comum, este é um processo linear e acumulativo:

Linear, porque se desenvolveria sempre na mesma direcção, “para a frente,” isto é, a cientificidade dos conhecimentos seria estabelecida de uma vez por todas, pelo que não haveria necessidade de a eles retornar;

Acumulativo, porque os conhecimentos científicos apenas se acumulam, ou seja, os conhecimentos novos acrescentam-se aos anteriores sem os pôr em questão.

b) O Descontinuísmo

O desenvolvimento da ciência contém momentos de ruptura que separam nitidamente uma fase da outra, às vezes quase antagonizando-as. Essas rupturas dizem respeito sobretudo aos princípios gerais e não podem considerar-se preparadas por qualquer tipo de antecipação. Quando uma teoria, ou, se quisermos, um complexo de teorias ligadas pelo mesmo “paradigma”, não consegue descrever os novos resultados experimentais, ou quando lhe descobrimos as contradições e as lacunas que se tornam insanáveis, então torna-se necessário inventar novas hipóteses que abrirão caminho a um tipo de investigação à partida imprevisível.

Teoria de Karl Popper

Em Popper (1902-1994), há um certo continuísmo. Ele sublinha que a sucessão das teorias constitui um progresso das ciências em direcção à verdade — a sua meta inalcançável. As teorias refutadas inserem-se nesse movimento de aproximação à verdade. Contra o descontinuísmo radical, afirma que “as nossas teorias são senso comum criticado e esclarecido”. O elemento descontinuísta do pensamento de Popper reside no facto de ele não considerar que o progresso se faça por acumulação de conhecimentos — a relação entre velhas e novas teorias, entre a actualidade da ciência e o seu passado, é crítica. As novas teorias corrigem e/ou substituem as anteriores.

O desenvolvimento da ciência é imprevisível, porque as teorias científicas são livres criações do sujeito: a referência aos antecedentes só pode esclarecer a situação do problema cuja solução exige um acto criativo que não se pode prever a partir dessa situação. Os progressos mais significativos das ciências constituem revoluções intelectuais e científicas. «Segundo Popper, na ciência nós procuramos a verdade — e a verdade não é dada pelos factos, mas pelas teorias que correspondem aos factos.

Teoria de Thomas Kuhn

A reflexão de Kuhn (1922-1996) sobre a natureza da actividade científica articula-se em três conceitos fundamentais: os conceitos de “paradigma”, “ciência normal” e “ciência extraordinária”.

a) Paradigma

Numa determinada época do desenvolvimento da ciência, as investigações científicas são orientadas e estruturadas por um paradigma, isto é, por uma visão do mundo (Weltanschaung), que, sendo geral, inclui não só a teoria científica dominante como também princípios filosóficos, uma determinada concepção metodológica, leis e procedimentos técnicos padronizados para resolver problemas. Assim, o paradigma científico dominante no século XVII, a teoria de Newton, tinha como pressuposto uma representação filosófica da natureza (fundava-se na concepção antiteleológica do mundo natural, concebendo-o como um sistema mecânico regido pelo jogo de forças), apoiava-se nas leis do movimento formuladas pelo próprio Newton, na adopção de uma determinada metodologia (matematização da física) e na opção por determinadas técnicas de observação e de experimentação. A constituição de um paradigma instaura a comunidade dos sábios (para Kuhn, a ciência é obra de comunidades científicas e não de génios isolados) e define não só o meio de solucionar os problemas como também os problemas que convém resolver.

b) A ciência normal ou anomalia

No período da ciência normal, a comunidade científica trabalha a partir do paradigma estabelecido. Procede investigando fenómenos ainda não explicados com o objectivo de os enquadrar na teoria dominante e de resolver pequenas ambiguidades teóricas. No período da ciência normal — cujo desenvolvimento é contínuo — o cientista, uma vez que a sua preocupação essencial é a de, ao resolver problemas, estender o campo de aplicação do paradigma, abstém-se, quanto ao que é fundamental, de criticar este. Reina o acordo geral e a investigação desenvolve-se no interior do paradigma. E quando um facto coloca um problema recalcitrante, que resiste ao enquadramento na teoria consensualmente em vigor é, geralmente, descartado como “anomalia”, para não ameaçar o consenso no interior da comunidade científica.

  1. b) Ciência Extraordinário

E quando um facto coloca um problema recalcitrante, que resiste ao enquadramento na teoria consensualmente em vigor é, geralmente, descartado como “anomalia”, para não ameaçar o consenso no interior da comunidade científica. Contudo, a acumulação de anomalias, isto é, de casos problemáticos que o paradigma não resolve, acaba por dar origem a períodos de crise [um paradigma, dada a sua generalidade e complexidade, é sempre suficientemente impreciso para que se tornem possíveis estas “crises”]: as “anomalias”, ameaçando o paradigma nos seus próprios fundamentos, são momentos críticos pense-se na crise da física determinista desde 1924  porque o consenso dá lugar à divisão, à formação de grupos que procuram outras teorias e outros fundamentos.

d) Revolução científica

O momento de crise – que pode ser longo – só encontra o seu termo quando um novo paradigma é adoptado. Como todo o paradigma representa um modo geral de interpretar o mundo e não um simples conjunto de soluções parciais ou regionais, ele corresponde a uma revolução científica e exige uma espécie de conversão mental por parte de quem o adopta. Estabelecido o paradigma, segue-se um novo período de ciência normal. Os cientistas irão aprofundar teoricamente o novo paradigma, resolver os problemas de acordo com ele, i. e., com os novos modos de solução assimilados, evitando pôr em causa esse modelo [por isso, dirá Kuhn, a comunidade científica não é dirigida pelo ideal de verdade]. As revoluções científicas não são muito frequentes: acontecem de vez em quando, o que denota uma certa resistência dos cientistas à mudança.

A que se deve o triunfo de um novo paradigma? «O triunfo de um novo paradigma pode dever-se a uma grande variedade de factores: a sua capacidade para explicar factos polémicos persistentes, a sua utilidade na resolução de problemas e realização de previsões adequadas e, em não menor medida, a aura e o prestígio dos cientistas que inventam uma nova teoria e a defendem. O prestígio pessoal de um cientista”, diz Kuhn “é muitas vezes considerado como sendo o resultado ou a prova de um excepcional engenho e inteligência.