Contextualização

A Constituição da República de Moçambique é o documento que estabelece a forma de organização e funcionamento do Estado bem como reconhece os direitos, deveres e liberdades fundamentais dos cidadãos.

A Constituição é a lei fundamental de um determinado Estado. Pois, aí estão consagrados e protegidos os direitos e garantias fundamentais do cidadão. Também estão estabelecidas as regras de organização e funcionamento dos órgãos estatuais bem como princípios fundamentais válidos nesse Estado. É a lei fundamental de Estado e serve como base de todas as leis que existem num estado.

Princípios fundamentais

A Constituição da República de Moçambique estabelece alguns princípios que regem no nosso país. Os mais importantes são: o princípio do Estado de Direito e o princípio de Democracia. Além desses é para destacar que o nosso Estado é laico.

Antecedentes

A primeira Constituição de Moçambique entrou em vigor em simultâneo com a proclamação da independência nacional em 25 de Junho de 1975. Nesta altura, a competência para proceder a revisão constitucional fora atribuída ao Comité Central da Frelimo até a criação da Assembleia com poderes constituintes, que ocorreu em 1978. Considerando a importância da constituição como a “lei-mãe” do Estado moçambicano.

Nas circunstâncias referidas pelo Monteiro e Alexandre, o Estado e o partido eram os únicos intervenientes de vulto na vida política, económica e social do país considerando que após a proclamação da independência nacional em 1975, entrou em vigor a primeira constituição que atribuída competência ao Comité Central da Frelimo visto que a Assembleia com poderes constituintes só iniciaria em 1978.

Nessa catadura a constituição de 1975: tendo como um dos objectivos fundamentais “a eliminação das estruturas de opressão e exploração coloniais…e a luta contínua contra o colonialismo e o imperialismo”, foi instalado na República Popular de Moçambique (RPM) o regime político socialista.

Esta Constituição sofreu seis alterações pontuais, designadamente: em 1976, em 1977, em 1978, em 1982, em 1984 e em 1986. Destas, merece algum realce a alteração de 1978 que incidiu maioritariamente sobre os órgãos do Estado (sua organização, competências, entre outros), retirou o poder de modificar a Constituição do Comité Central da Frelimo e retirou a competência legislativa do Conselho de Ministro (uma vez criada a Assembleia Popular que teria estas competências) e a de 1986 que fora motivada pela institucionalização das funções do Presidente da Assembleia Popular e de Primeiro-Ministro, criados pela 5ª Sessão do Comité Central do Partido Frelimo, Idem.

Trajectória de transacção do Monopartidarismo para multipartidarismo.

A Luta Armada de Libertação Nacional, respondendo aos anseios seculares do nosso Povo, aglutinou todas as camadas patrióticas da sociedade moçambicana num mesmo ideal de liberdade, unidade, justiça e progresso, cujo escopo era libertar a terra e o Homem. Conquistada a Independência Nacional em 25 de Junho de 1975, devolveram-se ao povo moçambicano os direitos e as liberdades fundamentais.

Nos momentos que se seguiram à independência o Estado moçambicano optou por uma linha de orientação socialista. Assim, Moçambique tenta implementar uma concepção socialista do poder, do Estado e do Direito. Neste contexto, a Constituição da República Popular de Moçambique dispunha no artigo 2° o seguinte: “A República Popular de Moçambique é um Estado de democracia popular em que todas as camadas patrióticas se engajam na construção de uma nova sociedade, livre da exploração de homem pelo homem”. Este modelo foi adoptado do modelo da antiga URSS.

Na mesma senda refere que o modelo de democracia popular baseado no Estado de partido único pela constituição de 1975 foi substituído por um novo conceito de democracia representativa a constituição de 1990.

Constituição de 1990

A revisão constitucional ocorrida em 1990 trouxe alterações muito profundas em praticamente todas esferas da vida do País. Estas mudanças que já começavam a manifestar-se na sociedade, principalmente na área económica, a partir de 1984, encontram a sua concretização formal com a nova Constituição aprovada. A constituição de 1990 veio introduzir o Estado de direito democrático, que se funda na separação de poderes, pluralismo político, liberdade de expressão e respeito pelos direitos fundamentais.

Refira-se que a Constituição da República de 1990 marca, oficialmente, a introdução da democracia multipartidária no país, assim como reconhecimento das liberdades individuais, com maior destaque para as liberdades de expressão, de imprensa e de associação.

 Resumidamente, podemos citar alguns aspectos mais marcantes, como sejam:

  • A introdução de um sistema multipartidário na arena política o que diminuiu o poder do partido Frelimo como actor principal do Estado;
  • Inserção de regras básicas da democracia representativa e da democracia participativa e o reconhecimento do papel dos partidos políticos;
  • Na área económica, o Estado abandona a sua anterior função basicamente intervencionista e gestora, para dar lugar a uma função mais reguladora e controladora (previsão de mecanismos da economia de mercado e pluralismo de sectores de propriedade);
  • Os direitos e garantias individuais são reforçados, aumentando o seu âmbito e mecanismos de responsabilização;
  • Várias mudanças ocorreram nos órgãos do Estado, passam a estar melhor definidas as funções e competências de cada órgão, a forma como são eleitos ou nomeados;
  • Preocupação com a garantia da constitucionalidade e da legalidade e consequente criação do Conselho Constitucional; entre outras.

A Constituição de 1990 introduziu o Estado de Direito Democrático, baseado na separação e interdependência dos poderes e no pluralismo, lançando os parâmetros estruturais da modernização, contribuindo de forma decisiva para a instauração de um clima democrático que levou o país à realização das primeiras eleições multipartidárias.

A CRM de 1990 sofreu três alterações pontuais, designadamente: duas em 1992 e uma em 1996. Destas merece especial realce a alteração de 1996 que surge da necessidade de se introduzir princípios e disposições sobre o Poder Local no texto da Constituição, verificando-se desse modo a descentralização do poder através da criação de órgãos locais com competências e poderes de decisão próprios, entre outras (superação do princípio da unidade do poder).

Multipartidarismo em Moçambique

O multipartidarismo é um fenómeno bastante recente em Moçambique. De 1975 até a adopção da Constituição de 1990, a Frelimo, o movimento que liderou a luta pela independência, dirigiu o país num sistema de partido único. São dois os elementos principais que explicam o fim do regime monopartidário, que vigorava em Moçambique desde a independência (1975). Em primeiro lugar, o contexto internacional, marcado pelo desmoronamento do bloco soviético a partir de 1989 e um clima desfavorável aos regimes monopartidários de inspiração comunista e, em segundo lugar, o contexto interno do país, marcado por uma guerra civil sem solução militar à vista e por uma situação económica de profunda crise.

Com a Constituição de 1990, ficou aberto o espaço político, mas este processo só adquiriu verdadeiro conteúdo após a celebração do Acordo Geral de Paz em 1992, altura em que a Renamo foi reconhecida como movimento legítimo e se iniciaram os preparativos para as primeiras eleições multipartidárias.

A abertura do sistema político moçambicano ao multipartidarismo provocou a formação de um grande número de partidos políticos. No entanto, como as eleições de 1994 o confirmaram, apenas a Frelimo e a Renamo seriam capazes de se afirmar como forças políticas importantes, dispondo de um eleitorado significativo. É assim que, apesar dum sistema eleitoral baseado na representação.

Democracia

É o sistema institucional de tomada de decisões políticas, em que os indivíduos adquirem poder de estatuir sobre essas decisões na sequência de uma luta concorrencial por votos do povo. Mais ainda, LIPSET (1967), acrescenta que a sua concepção de democracia implica três condições, nomeadamente:

  • Uma fórmula política ou corpo de crenças especificando quais são as instituições legítimas (aceites como adequadas por todos). Tais instituições são os partidos políticos, imprensa livre, etc.
  • Um conjunto de líderes políticos no exercício dos cargos;
  • Um ou mais conjuntos de líderes reconhecidos tentando alcançar esses mesmos cargos.

Para haver uma democracia estável, deve existir um desenvolvimento económico, onde o mesmo desenvolvimento será facilmente alcançado se todos os cidadãos tiverem as mesmas oportunidades de se desenvolver, quer a nível individual ou como sendo funcionário público.

Os autores citados, LIPSET (1967), DAHL (1956) e SCHUMPETER (1984) falam nas suas definições de concorrência dos partidos para atingir o governo pela legitimação do voto popular e a responsabilidade que os governantes têm perante o seu povo. Nessa linha de ideias, a democracia exige a existência de partidos que concorrem pelo voto em iguais circunstâncias e depois da formação dos governos, a inclusão de grupos minoritários é essencial para a valorização de opiniões dos diferentes grupos da sociedade.

A principal característica da Democracia é a contínua responsabilidade do governo perante as preferências dos seus cidadãos, considerados politicamente iguais. ” Neste contexto, Dahl avança que para haver responsabilidade, os cidadãos devem ter oportunidade de:

  • Formular as suas preferências;
  • Manifestá-las ao governo por acções individuais e colectivas;
  • Ver as suas preferências igualmente consideradas no comportamento do governo, sem descriminação por causa do conteúdo ou fonte dessas preferências.

Cinco critérios para um processo democrático: Participação efectiva; Igualdade de voto; Obtenção de informação esclarecida; Exercício de controlo final sobre a agenda; Inclusão de adultos.

Estes critérios têm a sua razão de ser porque uma vez violado um destes critérios os membros deixam de ser politicamente iguais. Portanto, estes critérios vão ao encontro daquele princípio que uma constituição deve seguir para ser democrática.

O percurso democrático em Moçambique

Como se pode perceber, a ideia de construir um Estado moçambicano democrático remonta à independência do país mas num modelo de partido único, onde não havia o voto popular mas sim dos militantes e simpatizantes do partido para eleger a Assembleia Popular e o Presidente era indicado pelo Comité Central do Partido.

O processo da democratização em Moçambique remota a primeira constituição da república de 1975, no seu Art. 2 “A República Popular de Moçambique é um Estado de democracia popular em que as camadas patrióticas se engajam na construção de uma sociedade, livre da exploração do homem pelo homem”, mas num modelo de partido único, onde não havia o voto popular mas sim dos militantes e simpatizantes do partido para eleger a Assembleia Popular e o Presidente era indicado pelo Comité Central do Partido.

Apesar dos avanços da democracia em Moçambique que contribuiu para a participação dos cidadãos nas matérias políticas através do direito de sufrágio, direito a criação de associação e partidos políticos, a liberdade de expressão esta ainda longe para alcançar o estágio desejado visto que se notabiliza apenas na teoria. Nas últimas duas décadas em Moçambique, cidadãos que pretenderam exercer o seu direito de cidadania (liberdade política e de expressão) foram na sua maioria excluídos no seu meio social e de convívio profissional, sendo algumas figuras políticas, jornalistas, magistrados e constitucionalistas, perseguidos pelos seus inimigos.

Parte destes pagaram o preço com a vida, a destacar: o assassinato do jornalista Carlos Cardoso, em 2000, quando procurou investigar uma mega fraude no BCM; o assassinado do economista Siba Siba Macuacua, em 2001, economista e presidente interino do Conselho de Administração do então Banco Austral (actual Barclays), quanto estava a investigar a maior fraude bancária da história do país; o assassinato de Dinis Silica, em 2014, que tinha sob sua gerência processos relacionados com raptos; o assassinato do advogado constitucionalista Franco-moçambicano Gilles Cistac, em 2015, depois de amparar com argumentos jurídicos […] sobre a criação de províncias autónomas defendida pelo maior partido da oposição em disputa com o governo de Moçambique, idem.

 

Referência bibliográfica

ASSEMBLEIA POPULAR, Projecto de Revisão da Constituição da República Popular de Moçambique, Minerva Central, INLD nº 0688, Maputo, 1988.

DAHL, Robert, A Preface to Democratic theory, Chicago & London, The University of Chicago  Press, 1956

DAHL, Robert Poliarchy, Participation and opposition. New Haves: Yale University Press, 1971.

LIPSET, Seymour Martin, O Homem Político, Zaha, Rio de Janeiro, 1967.

MAZULA, Brazão, A Construção da Democracia em África: O Caso moçambicano, Editora Ndjira, Maputo, 2000.

MUCHACONA J. J. Da reconstrução económica à emergência do regime democrático em Moçambique: Uma reflexão sobre a consolidação da sociedade civil, 1975 – 201, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2018.

SAL & CARDEIRA, Evolução constitucional na república de Moçambique, advogados e consultores LDA, (s/d).

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio: Zahar. 1984.