Por: F. P. RAMSE
O problema com o qual proponho lidar é a análise lógica do que pode ser chamado por qualquer um dos termos ‘juízo’, ‘crença’ ou ‘afirmação’. Suponha que eu esteja neste momento julgando que César foi assassinado: então é natural distinguir nesse fato, por um lado, minha mente, ou meu estado mental atual, ou palavras em minha mente, que chamaremos de fator ou fatores mentais, e de outro lado ou César, ou o assassinato de César, ou César e assassinato, ou a proposição ‘César foi assassinado’, ou o fato de César ter sido assassinado, que chamaremos de fator ou fatores objetivos; e supor que o fato de eu estar julgando que César foi assassinado consista em manter alguma relação ou relações entre esses fatores mentais e objetivos. As questões que surgem dizem respeito à natureza dos dois conjuntos de fatores e às relações entre eles, dificilmente sendo questionada a distinção fundamental entre esses elementos.

Comecemos com o fator ou fatores objetivos; a visão mais simples é a de que existe apenas um desses fatores, uma proposição, que pode ser ou verdadeira ou falsa, sendo a verdade e a falsidade atributos não analisáveis. Essa era a opinião do Sr. Russell e, em seu ensaio “Sobre a Natureza da Verdade e da Falsidade”, ele explica as razoes que o levaram a abandoná-la. Essas eram, em resumo, a incredibilidade da existência de objetos como ‘que César morreu em sua cama’, que poderiam ser descritos como falsidades objetivas, e a natureza misteriosa da diferença, nessa teoria, entre verdade e falsidade. Ele, assim, concluiu, na minha opinião, acertadamente, que um juízo não tem um único objeto, mas é uma relação múltipla da mente ou de fatores mentais com muitos objetos, aqueles, a saber, os quais deveríamos normalmente chamar de constituintes da proposição julgada.

Existe, no entanto, uma maneira alternativa de sustentar que um juízo tem um único objeto, que seria bom considerar antes de prosseguirmos. No ensaio acima mencionado, o Sr. Russell afirma que uma percepção, que ao contrário de um juízo que ele considera infalível, tem um único objeto, por exemplo, o objeto complexo ‘faca à esquerda do livro’. Penso que esse objeto complexo pode ser identificado com o que muitas pessoas (e o Sr. Russell agora) chamariam de o fato de que a faca está à esquerda do livro; poderíamos, por exemplo, dizer que percebemos esse fato. E, como se adotássemos uma proposição verdadeira tal como a de que César não morreu na sua cama, podemos formar uma frase correspondente começando com ‘o fato de que’ e falar sobre o fato de que ele não morreu em sua cama, assim o Sr. Russell supunha que para qualquer proposição verdadeira correspondia um objeto complexo.

O Sr. Russell, então, sustentou que o objeto de uma percepção era um fato, mas que no caso de um juízo, a possibilidade de erro tornava essa visão insustentável, uma vez que o objeto de um juízo como o de que César morreu em sua cama não poderia ser o fato de que ele morreu em sua cama, pois não havia esse fato. É, no entanto, evidente que essa dificuldade sobre o erro poderia ser removida postulando para o caso de julgar duas relações diferentes entre os fatores mentais e o fato, uma ocorrendo em juízos verdadeiros e outra em falsos. Assim, um juízo de que César foi assassinado e um juízo de que César não foi assassinado teriam o mesmo objeto, o fato de César ter sido assassinado, mas diferem no que diz respeito às relações entre o fator mental e esse objeto. Assim, em The Analysis of Mind, o Sr. Russell fala das crenças como se apontassem ou em direcção ou em afastamento aos fatos. Parece-me, no entanto, que qualquer opinião similar sobre o juízo ou a percepção seria inadequada por uma razão que, se válida, é de grande importância. Por simplicidade, tomemos o caso da percepção e, assumindo como argumento infalível, considere se ‘Ele percebe que a faca está à esquerda do livro’ pode realmente afirmar uma dupla relação entre uma pessoa e um fato. Suponha que eu, que faço a afirmação, não posso ver a faca e o livro, que a faca esteja realmente à direita do livro, mas que, com algum erro, suponho que ela esteja à esquerda e que ele perceba que está na esquerda, de modo que afirmo falsamente ‘Ele percebe que a faca está à esquerda do livro’. Então minha afirmação, embora falsa, é significativa e tem o mesmo significado que teria se fosse verdadeira; esse significado não pode, portanto, ser que exista uma relação dupla entre a pessoa e algo (um fato) do qual ‘que a faca está à esquerda do livro’ seja o nome, porque não existe tal coisa. A situação é a mesma que a das descrições; ‘O rei da França é sábio’ não é um absurdo, e, portanto, ‘O rei da França’, como o Sr. Russell demonstrou, não é um nome, mas um símbolo incompleto, e o mesmo deve ser verdadeiro para ‘O rei da Itália’. Assim também ‘que a faca está à esquerda do livro’, seja verdadeiro ou falso, não pode ser o nome de um fato.

Mas, será perguntado, por que não deveria ser uma descrição de um fato? Se eu disser ‘ele percebe que a faca está à esquerda do livro’, quero dizer que ele percebe um fato que não é nomeado, mas descrito como de um certo tipo, e a dificuldade desaparecerá quando minha afirmação for analisada de acordo com a teoria das descrições do Sr. Russell. Da mesma forma, será dito que ‘a morte de César’ é uma descrição de um evento, e ‘o fato de que César morreu’ é apenas uma expressão alternativa para ‘a morte de César’.

Tal objeção é plausível, mas na minha opinião, não é válida. A verdade é que uma frase como ‘a morte de César’ pode ser usada de duas maneiras diferentes; normalmente, usamos isso como a descrição de um evento, e poderíamos dizer que ‘a morte de César’ e ‘o assassinato de César’ foram duas descrições diferentes do mesmo evento. Mas também podemos usar ‘a morte de César’ em um contexto como ‘ele estava ciente da morte de César’, significando ‘ele estava ciente de que César havia morrido’: aqui (e este é o tipo de caso que ocorre na discussão sobre cognição) não podemos considerar ‘a morte de César’ como a descrição de um evento; se assim fosse, toda a proposição seria ‘existe um evento E de certo tipo, de modo que ele está ciente de E’, e ainda seria verdadeiro se substituíssemos outra descrição do mesmo evento, ex., ‘o assassinato de César’. Isto é, se sua consciência tem por objeto um evento descrito por ‘a morte de César’, então, se ele está ciente da morte de César, também deve estar ciente do assassinato de César, pois eles são idênticos. Mas, de fato, ele podia muito bem estar ciente de que César havia morrido sem saber que havia sido assassinado, de modo que sua consciência por objeto não apenas um evento, mas também um evento e um personagem.

A conexão entre o evento que foi a morte de César e o fato de César morrer é, na minha opinião, esta: ‘que César morreu’ é realmente uma proposição existencial, afirmando a existência de um evento de um certo tipo, assim parecendo ‘Itália tem um rei’, que afirma a existência de um homem de um certo tipo. O evento desse tipo é chamado de morte de César, e não deve mais ser confundido com o fato de que César morreu, assim como o rei da Itália não deve mais ser confundido com o fato de que Itália tem um rei.

Vimos, então, que uma frase que começa com ‘o fato de’ não é um nome nem uma descrição; portanto, não é um nome nem uma descrição de qualquer constituinte genuíno de uma proposição; logo, uma proposição sobre ‘o fato de que aRb’ deve ser analisada (1) na proposição aRb, (2) em outra proposição sobre aRb, e outras coisas; e uma análise de cognição em termos de relações com fatos não pode ser aceita como definitiva. Somos levados, portanto, à conclusão do Sr. Russell de que um juízo não tem um objeto, mas muitos, com os quais o fator mental está multiplamente relacionado; mas deixar assim, como ele fez, não pode ser considerado satisfatório. Não há motivos para supor que a relação múltipla seja simples; ela pode, por exemplo, resultar da combinação de relações duplas entre partes do fator mental e os objetos separados; e é desejável que tentemos descobrir mais sobre isso e como isso varia quando a forma da proposição que se acredita é variada. Da mesma forma, uma teoria das descrições que se contentava em observar que ‘o rei da França é sábio’ poderia ser considerada como afirmando uma relação possivelmente complexa entre reinado, França, e sabedoria, seria miseravelmente inferior à teoria do Sr. Russell, que explica exatamente que relação é essa.

Mas antes de prosseguirmos com a análise do juízo, é necessário dizer algo sobre a verdade e a falsidade, a fim de mostrar que não há realmente nenhum problema separado da verdade, mas apenas uma confusão linguística. Verdade e falsidade são atribuídas principalmente a proposições. A proposição a que são atribuídas pode ser explicitamente dada ou descrita. Suponha primeiro que seja explicitamente dada; então, é evidente que ‘é verdade que César foi assassinado’ não significa mais do que César foi assassinado e ‘é falso que César foi assassinado’ significa que César não foi assassinado. São frases que às vezes usamos para enfatizar ou por motivos estilísticos, ou para indicar a posição ocupada pela afirmação em nosso argumento. Assim também podemos dizer ‘é um fato que ele foi assassinado’ ou ‘que ele foi assassinado é contrário ao fato’.

No segundo caso no qual a proposição é descrita e não explicitamente dada, temos, talvez, mais do que um problema, pois obtemos afirmações das quais não podemos, na linguagem comum, eliminar as palavras ‘verdade’ e ‘falso’. Assim, se digo ‘ele está sempre certo’, quero dizer que as proposições que ele afirma são sempre verdadeiras, e não parece haver alguma maneira de exprimir isso sem usar a palavra ‘verdade’. Mas suponha que coloquemos da seguinte maneira ‘para todo p, se ele afirma pp é verdade’, então vemos que a função proposicional ‘p é verdade’ é simplesmente o mesmo que p, assim como, ex., o valor de ‘César foi assassinado é verdade’ é o mesmo que ‘César foi assassinado’. Em ingles [assim como em português][1], temos que adicionar ‘é verdade’ para dar um verbo à sentença, esquecendo que ‘p’ já contém um verbo (variável). Isto pode, talvez, ser tornado mais claro supondo, por um momento, que somente uma forma de proposição está em questão: a forma relacional aRb; então, ‘ele está sempre certo’ poderia ser expressa por ‘Para todo aRb, se ele afirma aRb, então aRb’, para a qual ‘é verdade’ seria uma adição obviamente supérflua. Quando todas formas de proposições são incluídas, a análise é mais complicada, mas não essencialmente diferente; e é claro que o problema não é quanto à natureza da verdade e falsidade, mas quanto à natureza do juízo ou afirmação, pois o que é difícil analisar na formulação acima é ‘ele afirma aRb’.

É, talvez, também imediatamente óbvio que, se analisamos o juízo, resolvemos o problema da verdade; por considerar o fator mental em um juízo (que muitas vezes é chamado de juízo, a verdade ou falsidade disso depende apenas de qual proposição é julgada, e o que precisamos explicar é o significado de dizer que a sentença é um juízo que a tem R para b, i.e., é verdade se aRb, e falso se não. Podemos, se quisermos, dizer que é verdade se existe um fato correspondente de que tem R para b, mas isso não é essencialmente uma análise, mas uma perífrase, pois ‘O fato de que a tem R para b existe’ não é diferente de ‘a tem R para b’.

A fim de prosseguir, agora consideramos fatores mentais em uma crença. Sua natureza vai depender do sentido em que estamos usando o termo ambíguo ‘crença’: é possível, por exemplo, dizer que uma galinha acredita que um certo tipo de lagarta é venenoso, e com isso signifique que ela meramente se abstém de comer essas lagartas por causa de experiências desagradáveis relacionadas a elas. Os fatores metais em tal crença seriam partes do comportamento da galinha, que de algum modo estão relacionados com os fatores objetivos, viz. o tipo de lagarta e envenenamento. Uma análise exata desta relação seria bastante difícil, mas pode-se muito bem afirmar que, com relação a esse tipo de crença, a visão pragmatista estava correta, i.e., que a relação entre o comportamento da galinha e os fatores objetivos era que as ações seriam úteis se e somente se as lagartas fossem realmente venenosas. Portanto, qualquer conjunto de ações para cuja utilidade p é uma condição necessária e suficiente, pode ser chamado de crença de que p, e assim seria verdadeiro se p, i.e., se elas forem úteis.

Mas sem querer depreciar a importância desse tipo de crença, ela não é o que pretendo discutir aqui. Prefiro lidar com aquelas crenças que são exprimidas em palavras ou, possivelmente, imagens ou outros símbolos, asseridas ou negadas conscientemente; pois essas crenças, na minha visão, são o assunto mais apropriado para críticas lógicas.

Considero que palavras são os fatores mentais de tal crença, sejam elas faladas em voz alta ou para si mesmo ou meramente imaginadas, conectadas umas às outras e acompanhadas por um sentimento ou sentimentos ou crença ou descrença, relacionadas a elas de um modo que não me proponho discutir. Vou supor, por simplicidade, que o pensador com o qual estamos conectados usa uma linguagem sistemática sem irregularidades e com uma notação lógica exata, idêntica a dos Principia Mathematica. Os sinais primitivos em tal linguagem podem ser divididos em nomes, constantes lógicas, e variáveis. Comecemos com nomes; cada nome significa um objecto, significando uma relação dupla entre eles. Evidentemente, nome, significado, relação, e objecto podem ser complexos, assim o facto de o nome significar o objecto não é, em última análise, da forma relacional dupla, mas muito mais complicada. Não obstante, assim como no estudo de xadrez nada é ganho discutindo os átomos dos quais as peças de xadrez são compostas, também no estudo da lógica nada é ganho entrando na última análise dos nomes e dos objectos que tais nomes significam. Estes formam os elementos da crença do pensador em termos dos quais as várias relações lógicas de uma crença para outra podem ser todas declaradas, e sua constituição interna é imaterial.

Apenas por meio de nomes, o pensador pode formar o que podemos chamar de sentenças atómicas, que do nosso ponto de vista formal, não oferecem nenhum problema sério. Se aR, e b são coisas que são simples em relação à linguagem do pensador, i.e., dos tipos de instâncias das quais ele tem nomes, ele acreditará que aRb porque tem nomes para aR, e b conectados em sua mente e acompanhados por um sentimento ou crença. No entanto, esta afirmação é demasiado simples, dado que os nomes devem ser unidos de uma maneira apropriada a aRb do que a bRa; isto pode ser explicado dizendo que o nome de R não é a palavra ‘R’, mas a relação que fazemos entre ‘a’ e ‘b’ ao escrevermos ‘aRb’. Então, o sentido no qual esta relação une ‘a’ e ‘b’ determina se ela é uma crença de que aRb ou de que bRa. Existem várias outras dificuldades da mesma espécie, mas proponho passar aos problemas mais interessantes que surgem quando consideramos crenças mais complicadas que, para sua expressão, exigem não apenas nomes, mas constantes lógicas também, a fim de que tenhamos que explicar o modo de significação de tais palavras como ‘não’ e ‘ou’.

Uma explicação possível é que elas, ou algumas delas, ex. ‘não’ e ‘e’ em termos dos quais as outras podem ser definidas, são os nomes de relações, de modo que as sentenças nas quais elas ocorrem são semelhantes às atómicas, exceto que as relações que elas asserem são lógicas em vez de materiais. Nesta visão, toda proposição é, em última análise, afirmativa, asserindo uma relação simples entre termos simples, ou uma qualidade simples de um termo simples. Assim, ‘Isto é não-vermelho’ assere uma relação de negação entre isto e vermelhidão, e ‘Isto não é não-vermelho’ outra relação de negação entre isto, vermelhidão e a primeira relação de negação.

Esta visão requer uma atitude tão diferente para a minha lógica que é difícil para mim encontrar uma base comum a partir da qual discuti-la. Há, no entanto, uma ou duas coisas que eu gostaria de dizer em crítica: primeiro, que acho muito insatisfatório ficar sem explicação da lógica formal, exceto que ela é uma coleção de ‘fatos necessários’. Sinto que a conclusão de uma inferência formal deve ser, em algum sentido, contida nas premissas e não em algo novo; não posso acreditar que de algum fato, ex. que uma coisa é vermelha, deve ser possível inferir um número infinito de fatos diferentes, tais como que isso não é não-vermelho, e que isso é tanto vermelho quanto não não-vermelho. Estes, eu diria, são simplesmente os mesmos fatos exprimidos em palavras diferentes; nem tampouco é inevitável que deveriam haver todas estas maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Podemos, por exemplo, expressar a negação não inserindo a palavra ‘não’, mas escrevendo o que negamos de cabeça para baixo. Tal simbolismo só é inconveniente porque não estamos treinados para perceber simetrias complicadas sobre um eixo horizontal, mas se o adotarmos, convém livrarmo-nos do redundante ‘não-não’, pois o resultado de negar a sentença ‘p’ duas vezes seria simplesmente a sentença ‘p’ em si.

Me parece, portanto, que ‘não’ não pode ser um nome (pois se o fosse, ‘não-não-p’ teria que ser sobre o objecto não e tão diferente no significado em relação a ‘p’), mas deve funcionar de um modo radicalmente diferente. Sucede que devemos permitir negações e disjunções como sendo, em última análise, diferentes de asserções positivas e não meramente asserções de relações diferentes, mas igualmente positivas. Devemos, por conseguinte, abandonar a ideia de que toda proposição assere uma relação entre termos, uma ideia que parece tão difícil de descartar como a ideia antiga de que uma proposição sempre assere um predicado de um objecto.

Suponha que nosso pensador esteja considerando uma única sentença atómica, e que o progresso de sua meditação leva ou à sua crença nela ou à sua descrença nela. Estas podem consistir, originalmente, em dois sentimentos diferentes relacionados à sentença atómica, e em tal relação mutuamente exclusiva; a diferença entre asserção e negação, assim, consiste numa diferença de sentimento e não na ausência ou presença de uma palavra como ‘não’. Essa palavra será, no entanto, quase indispensável para fins de comunicação, sendo que a crença na sentença atómica é comunicada proferindo-a em voz alta, e a descrença, ao proferir junto com a palavra ‘não’. Por uma espécie de associação, esta palavra será parte da linguagem interna de nosso pensador, e em vez de sentir descrença em relação a ‘p’, ele sentirá, às vezes, crença em relação a ‘não-p’.

Se isto acontecer, podemos dizer que desacreditar em ‘p’ e acreditar em ‘não-p’ são ocorrências equivalentes, mas determinar o que queremos dizer com esta ‘equivalência’ é, para mim, a dificuldade central do assunto. A dificuldade existe em qualquer teoria, mas é particularmente importante na minha, que sustenta que a significância de ‘não’ não consiste em significar uma relação para um objecto, mas nesta equivalência entre desacreditar em ‘p’ e acreditar em ‘não-p’.

Me parece que a equivalência entre acreditar em ‘não-p’ e desacreditar em ‘p’ deve ser definida em termos de causalidade, as duas ocorrências tendo em comum muitas de suas causas e muitos de seus efeitos. Deveria haver muitas ocasiões em que devemos esperar que uma ou outra ocorra, mas sem saber qual, e seja qual for que tenha ocorrido, devemos esperar o mesmo tipo de comportamento em consequência. Ser equivalente, podemos dizer, é ter certas propriedades causais em comum, que eu gostaria de poder definir com mais precisão. Claramente elas não são nada simples; não há uma ação uniforme que sempre será produzida acreditando em ‘p’. Não será produzida ação alguma, exceto em circunstâncias particulares, de modo que suas propriedades causais somente expressarão quais efeitos resultam dela quando outras condições forem cumpridas. E, novamente, apenas certas espécies de causas e efeitos devem ser admitidas; por exemplo, não estamos interessados com os fatores que determinam, e os resultados determinados pelo, o ritmo das palavras.

Sentir uma crença em relação às palavras ‘não-p’ e sentir uma descrença em relação às palavras ‘p’ têm, ambos sentimentos, em comum certas propriedades causais. Tenciono exprimir este fato dizendo que ambas ocorrências exprimem a mesma atitude, a atitude de desacreditar em ou acreditar em não-p. Por outro lado, sentir uma crença em relação a ‘p’ possui propriedades causais diferentes e, igualmente, expressa uma atitude diferente, a atitude de acreditar em p. É evidente que a importância das crenças e descrenças não reside nas suas naturezas intrínsecas, mas nas suas propriedades causais, i.e., suas causas e, especialmente, seus efeitos. Por que eu deveria querer ter um sentimento de crença em relação a nomes ‘a’, ‘R’, e ‘b’, quando aRb, e de descrença quando não-aRb, exceto porque os efeitos desses sentimentos são mais satisfatórios do que os dos alternativos.

Se eu digo sobre alguém cuja linguagem não conheço: ‘ele está acreditando que não-aRb’, quero dizer que em sua mente está ocorrendo uma combinação de um sentimento e palavras conforme expressa a atitude de acreditar que não-aRb, i.e., possui certas propriedades causais que podem, neste caso simples, ser especificados como aquelas que pertencem à combinação de um sentimento de descrença e nomes para aR, e b, ou no caso de alguém que usa a língua inglesa [ou portuguesa], à combinação de um sentimento de crença, nomes para aR, e b, e um número ímpar de ‘nãos’. Ademais, podemos dizer que as propriedades causais estão conectadas com aR, e b de tal forma que as únicas coisas que podem tê-las devem ser compostas por nomes de aR, e b. (Esta é a doutrina de que o significado de uma sentença deve resultar do significado das palavras nela).

Quando estamos lidando somente com uma proposição atómica, estamos acostumados a deixar para a teoria das probabilidades as atitudes intermediárias de crença parcial, e considerar apenas os extremos de crença completa e descrença completa. Mas quando nosso pensador está preocupado com várias proposições atómicas de uma só vez, a questão é mais complicada, pois não temos somente que lidar com atitudes completamente definidas, tais como acreditar em p e desacreditar em q, mas também com atitudes relativamente indefinidas, tais como acreditar que ou p ou q é verdadeiro, mas não saber qual o é. Qualquer atitude semelhante pode, contudo, ser definida em termos de possibilidades-de-verdade das proposições atómicas com as quais ela concorda ou discorda. Assim, se tivermos n proposições atómicas, existem  possibilidades mutuamente exclusivas em relação a sua veracidade e falsidade, e uma atitude possível é dada tomando qualquer conjunto destas e dizendo que é uma delas que, de fato, é realizada, não uma das demais. Portanto, acreditar em p ou em q é expressar concordância com as possibilidades p verdadeiro e q verdadeiro, p falso e q falso, p verdadeiro e q falso, e discordância com a possibilidade remanescente p falso e q falso. Dizer que sentir uma crença em relação a uma sentença exprime tal atitude é dizer que ela tem certas propriedades causais que variam com a atitude, i.e., com quais possibilidades são eliminadas e que, por assim dizer, ainda são deixadas de lado. Grosso modo, o pensador agirá desconsiderando as possibilidades rejeitadas, mas ainda não sei como explicar precisamente essa atitude.

Em qualquer linguagem comum, tal atitude pode ser expressa por um sentimento de crença em relação a uma sentença complicada formada a partir de sentenças atómicas através de conjunções lógicas; não depende do sentimento, mas da forma da sentença para saber qual atitude é. Portanto, elipticamente, podemos dizer que a sentença exprime a atitude, e que o significado de uma sentença é a concordância e a discordância com tais e tais possibilidades-de-verdade, querendo dizer que aquele que assere ou acredita na sentença, igualmente concorda ou discorda.

Na maioria das notações lógicas o significado das sentenças é determinado pelos sinais de operações lógicas que nelas ocorrem, tais como ‘não’ e ‘e’. Estes significam da seguinte maneira: ‘não-p’, quer ‘p’ seja atómico ou não, exprime acordo com as possibilidades com as quais ‘p’ exprime desacordo, e vice-versa. ‘p e q’ exprime acordo com aquelas possibilidades que exprimem acordo com ambos ‘p’ e ‘q’, e desacordo com todas outras. Por estas regras o significado de qualquer sentença construída a partir de sentenças atómicas por meio de ‘não’ e ‘e’ é completamente determinado; o significado de ‘não’ sendo, assim, uma lei que determina a atitude expressa por ‘não-p’ em termos daquela expressa por ‘p’.

Isto poderia, claro, apenas ser usado como uma definição de ‘não’ num simbolismo baseado diretamente nas possibilidades-de-verdade. Assim, na notação explicada na página 95 do Tractatus Logico-Philosophicus do Sr. Wittgenstein, poderíamos definir ‘não-p’ como o símbolo obtido intercalando os T’s e os espaços vazios na última coluna de ‘p’. Todavia, normalmente sempre usamos uma espécie diferente de simbolismo no qual ‘não’ é um sinal primitivo que não pode ser definido sem circularidades; mas mesmo neste simbolismo, podemos perguntar como ‘“nicht” significa não’ deve ser analisado, e é esta questão que as observações acima pretendem responder. No nosso simbolismo ordinário as possibilidades-de-verdade são exprimidas de modo mais conveniente como conjunções de proposições atómicas e seus respetivos negativos, e qualquer proposição será exprimível como uma disjunção das possibilidades-de-verdade com as quais ela concorda.

Se aplicarmos as operações lógicas às sentenças atómicas de um modo indiscriminado, devemos, por vezes, obter sentenças compostas que não exprimem atitudes de crença. Por conseguinte, ‘p ou não-p’ não exclui possibilidades e, igualmente, não exprime qualquer atitude de crença. Ela não deveria ser considerada como uma sentença significativa, mas como uma espécie de caso degenerado, e é chamada de tautologia pelo Sr. Wittgenstein. Ela pode ser adicionada a qualquer outra sentença sem alterar seu significado, pois ‘ ou não-p’ concorda justamente com as mesmas possibilidades que ‘q’. As proposições da lógica formal e da matemática pura são, neste sentido, tautologias, e isso é o que se entende ao chamá-las de ‘verdades necessárias’.

Similarmente, ‘p e não-p’ exclui cada possibilidade e não expressa qualquer atitude possível: ela é chamada de contradição.

Em termos dessas ideias, podemos explicar o que se entende por inferência lógica, matemática, ou inferência formal ou implicação. A inferência de ‘p’ para ‘q’ é formalmente garantida quando ‘se p, então q’ for uma tautologia, ou quando as possibilidades-de-verdade com as quais ‘p’ concorda estão contidas entre aquelas com as quais ‘q’ concorda. Quando isso acontece, sempre é possível exprimir ‘p’ na forma ‘q e r’, de modo que se pode dizer que a conclusão ‘q’ já está contida nas premissas.



[Texto inacabado…. Acrescentaremos a última parte do texto assim que for oportuno].

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[1] Parênteses do tradutor.