1.      O Sistema Administrativo Moçambicano

  • Evolução histórica

No século XX, durante o período colonial, Moçambique viu-se submetido à política de assimilação das colónias portuguesas ao regime administrativo da metrópole. As colónias foram tratadas como simples províncias ultramarinas, aplicando-se nelas as leis e estruturas administrativas do continente. O Código administrativo de 1842 foi adoptado na província ultramarina de Moçambique, estabelecendo as bases do sistema de administração executiva no território (Cistac, 2009, p. 4).

Com o passar dos anos, novas legislações, como o Decreto de 1869, ampliaram a aplicação do código administrativo a todas as províncias ultramarinas. Moçambique, assim como outras colónias, foi organizado em províncias, distritos e concelhos, com uma estrutura administrativa centralizada, incluindo um Governador-Geral e conselhos de governo e província (Cistac, 2009, p. 5).

A independência de Moçambique em 1975 trouxe consigo a promulgação da primeira Constituição, instituindo uma democracia popular com tendências socialistas, onde o Estado e o partido FRELIMO detinham papéis preponderantes (Mondlane, 1989, p. 22). Nesse contexto, o Direito Administrativo foi moldado para atender às necessidades da nova ordem política, subordinando-se aos objectivos de construção da sociedade socialista.

Conforme Castigo (2020, p. 6), a “transição administrativa” após a independência foi caracterizada por uma fase inicial de imitação das instituições coloniais, seguida por uma reorganização para melhor adaptação às necessidades do Estado socialista. O Direito, subordinado à política, permitiu uma maior capacidade de acção do Estado, mantendo-se, no entanto, uma certa continuidade nas estruturas administrativas herdadas da era colonial (Lourenço, 2009, p. 3).

A partir dos anos 90 até os dias recentes, Moçambique testemunhou um progressivo desenvolvimento do sistema de administração executiva. Reformas estruturais significativas foram implementadas, incluindo a democratização das estruturas administrativas, descentralização do poder, reformas do procedimento administrativo e do processo administrativo contencioso (Cistac, 2009, p. 6). Estas mudanças visaram facilitar a participação dos cidadãos, promover o desenvolvimento local e agilizar as relações entre os administrados e as administrações pública.

Assim, ao longo de sua história, Moçambique passou por diversas transformações no campo do Direito Administrativo, adaptando-se aos diferentes contextos políticos e sociais, culminando na consolidação de um regime administrativo que reflecte as aspirações democráticas e os desafios do país.

  • Características

Conforme destacado no ponto 1.1. deste trabalho, o Direito Administrativo moçambicano foi profundamente influenciado pelo Direito Administrativo português, além de outros sistemas jurídicos. Essa influência contribuiu para sua formação e o desenvolvimento, proporcionando-lhe um arcabouço teórico e prático sólido.

Segundo Cistac (2009, p. 7), o Direito Administrativo moçambicano se configura como um ramo autónomo do Direito, dotado de princípios e normas próprios que regem a actuação da Administração Pública. Essa área do Direito estabelece um regime jurídico especial para a Administração Pública, diferenciando-a do Direito Privado por meio de prerrogativas e sujeições específicas.

A finalidade primordial do Direito Administrativo moçambicano é nortear a actuação da Administração Pública em prol do bem-estar da coletividade e do interesse público. Para tanto, conforme Castigo (2020, p. 8), a Administração Pública deve observar e seguir uma série de princípios fundamentais, tais como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, economicidade e razoabilidade.

Também, atesta Macie (2018, pp. 109-111), o exercício de controlo da Administração Pública mediante o Direito Administrativo é fectivado pelo Poder Judiciário, pelo Tribunal Administrativo e por outros órgãos de controle, com o objetivo de garantir a legalidade e a legitimidade da atuação administrativa.

As fontes do Direito Administrativo moçambicano são diversas, abrangendo a Constituição da República, leis, decretos, regulamentos, princípios gerais de direito e jurisprudência. Essa multiplicidade de fontes garante a abrangência e a flexibilidade necessárias para regular as complexas atividades da Administração Pública (Cistac, 2009).

  • Princípios norteadores

Nos termos dos números 1 e 2 do art. 249 da Lei n.º 1/2018, de 12 de Junho – Constituição da Républica de Moçambique (CRM), os princípios norteadores da Administração Pública são dois, a saber:

  • A função primordial da Administração Pública é servir o interesse público, assegurando que os direitos e liberdades essenciais dos cidadãos sejam respeitados em todas as suas acções.
  • Os órgãos da Administração Pública são regidos pelos preceitos constitucionais e legais, agindo de acordo com os princípios de igualdade, imparcialidade, responsabilidade e justiça.

Além destes, temos os princípios da Lei n. º 14/2011, de 10 de Agosto – Lei do Procedimento Administrativo, e da Lei n. º 15/2012, de 14 de Agosto – Lei da Proibidade Pública, que regem a Administração Pública moçambicana. Por questões de objectividade, explicaremos apenas dois princípios contidos no número 1 do artigo supra-referido, e os quatro princípios mencionados no número 2 do artigo supra, além do princípio da legalidade.

  • Princípio da legalidade

Este princípio, consagrado no art. 4 da Lei do Procedimento Administrativo, estabelece que a Administração Pública deve agir em conformidade com a lei e dentro dos limites dos poderes que lhe são atribuídos, sendo a Constituição a fonte primordial (art. 8 da Lei da Proibidade Pública). Ademais, esse princípio proíbe o uso dos poderes administrativos para objectivos distintos daqueles estipulados pela legislação, assegurando que os recursos públicos sejam utilizados de maneira adequada e em conformidade com o interesse público (número 2 do art. 4 da Lei do Procedimento Administrativo).

  • Princípio da Supremacia e da Prossecução do Interesse Público

O interesse público é prioritário na actuação da Administração Pública, nos termos do art. 5 da Lei do Procedimento Administrativo. Isso implica que as acções administrativas devem ser orientadas para o bem-estar colectivo, respeitando sempre os direitos e interesses dos cidadãos protegidos por lei. Similar ao princípio da prossecução do interesse público, o princípio da supremacia do interesse público destaca a obrigação dos servidores públicos de priorizar o interesse colectivo em detrimento de interesses individuais ou privados, garantindo sempre o bem-estar da sociedade (art. 10 da Lei da Proibidade Pública).

  • Princípio da igualdade e da proporcionalidade

Este princípio preconiza que a Administração Pública deve tratar todos os cidadãos de forma igual, sem discriminação, e que suas decisões devem ser proporcionais aos objectivos a serem alcançados, garantindo a justiça nas relações administrativas (art. 6 da Lei do Procedimento Administrativo).

  • Princípio justiça e da imparcialidade

O art. 7 da Lei do Procedimento Administrativo estabelece que a Administração Pública deve tratar todos os cidadãos de forma justa e imparcial, evitando qualquer forma de favoritismo ou parcialidade. Também, nos termos do art. 14 da Lei da Proibidade Pública, os servidores públicos devem abster-se de tomar decisões que possam beneficiar interesses próprios ou de terceiros.

  • Princípio da responsabilidade

Nos termos do art. 12 da Lei da Proibidade Pública, os servidores públicos devem assumir a responsabilidade pelo cumprimento de suas atribuições e pelo alcance dos objectivos institucionais, agindo de forma diligente e comprometida com o interesse público.

Conclusão

Ao longo deste trabalho, foi possível realizar uma análise do sistema administrativo moçambicano, abrangendo sua evolução histórica, características principais e princípios norteadores. Desde o período colonial, em que Moçambique estava sujeito às políticas administrativas de Portugal, até os dias actuais, marcados por reformas significativas e uma crescente democratização, observamos uma trajectória complexa e dinâmica.

A caracterização do sistema administrativo moçambicano revela sua autonomia como um ramo do direito, dotado de princípios e normas próprios que regem a actuação da Administração Pública. Destaca-se também a importância dos princípios norteadores, como a legalidade, a prossecução do interesse público, a igualdade, a justiça e a responsabilidade, que orientam as ações do Estado em prol do bem-estar colectivo e do interesse público.

Por meio da pesquisa bibliográfica realizada, foi possível compreender que as reformas implementadas visaram não apenas a modernização e eficiência administrativa, mas também a promoção da participação cidadã e o fortalecimento das instituições democráticas.

Portanto, concluímos que o sistema administrativo moçambicano é resultado de um processo histórico complexo e em constante evolução, reflectindo as aspirações democráticas e os desafios do país.

 

 

 Referências Bibliográficas

Castigo, P. T. (2020). Sistema Administrativo Moçambicano. Beira: Universidade Licungo.

Cistac, G. (2009). O Direito Administrativo em Moçambique. Maputo: Livraria Universitária.

Lourenço, V. A. (2009). Estado, autoridades tradicionais e transição democrática em Moçambique: Questões teóricas, dinâmicas sociais e estratégias políticas. Cadernos de Estudos Africanos, v. 16, n. 17, p. 1-17.

Macie, A. (2018). Lições do Direito Administrativo Moçambicano. Volume II. Maputo: Escolar Editora.

Mondlane, E. (1989). O movimento de libertação de Moçambique. Maputo: Arquivo de Moçambique.

 

Legislação

Lei n. º 14/2011, de 10 de Agosto – Lei do Procedimento Administrativo

Lei n. º 15/2012, de 14 de Agosto – Lei da Proibidade Pública