RESUMO CRÍTICO DA OBRA DE RUDOLF STEINER

A Filosofia da liberdade

 

“A Filosofia da Liberdade”, de Rudolf Steiner, oferece uma visão abrangente e profunda da natureza humana e do mundo em que vivemos, dividida em três partes. Aborda temas como a liberdade da vontade, o impulso fundamental para o conhecimento e o papel do pensamento na compreensão do mundo. Steiner argumenta que os seres humanos são dotados de liberdade em seus pensamentos e acções, diferenciando-se dos processos naturais puramente deterministas. Explora a relação entre a consciência das acções e a liberdade da vontade, destacando a importância do pensamento consciente na tomada de decisões. Discute também a necessidade do pensamento na busca por compreender o mundo ao nosso redor, enfatizando que a observação combinada com o pensamento é essencial para entender a natureza e os eventos que nos cercam, não apenas como uma actividade passiva, mas como um processo activo e criativo que permite uma compreensão mais profunda do mundo.

Apesar desses posicionamentos relevantes, críticas podem ser levantadas em relação à abordagem metafísica e especulativa, distante das abordagens empiricamente orientadas da filosofia contemporânea, e à apresentação de concepções como a distinção entre o mundo espiritual e material, vistas como antiquadas ou não empiricamente verificáveis.

Steiner também aborda a relação entre pensamento, conceitos e percepção, argumentando que o pensamento não é isolado, mas intrinsecamente ligado à percepção e à formação de conceitos. Os conceitos não surgem apenas da observação direta do mundo, mas são construídos ativamente pela mente humana, através da interacção entre a mente e o mundo externo, emergindo como uma forma de organizar e dar sentido às experiências perceptivas.

Embora seja um facto que o pensamento desempenha um papel significativo na formação de conceitos e na interpretação da percepção, a ideia de que os conceitos são construídos activamente pela mente humana pode ser questionada. Em uma perspectiva mais contemporânea, há uma compreensão crescente de como a mente humana é influenciada por factores inconscientes, sociais e culturais (como Freud defendia, por exemplo), o que sugere que nossos processos mentais podem ser menos autónomos e mais moldados pelo ambiente do que Steiner sugere.

Uma das principais ideias de Steiner é que o pensamento não é apenas uma actividade mental abstracta, mas desempenha um papel fundamental na formação da experiência perceptiva, moldando a maneira como percebemos e interpretamos o mundo. E essa interacção entre pensamento e percepção é essencial para o desenvolvimento do conhecimento humano.

Steiner também discute a relação entre consciência e percepção, sugerindo que a consciência não é apenas uma faculdade passiva, mas actua como um mediador activo entre o sujeito e o objecto, fornecendo não apenas a percepção de objectos externos, mas também auto-consciência, a capacidade de reflectir sobre nossos próprios pensamentos e experiências. Aborda ainda a questão da representação na percepção, distinguindo entre percepção objectiva e subjectiva, destacando como nossa percepção é influenciada não apenas pelos estímulos sensoriais, mas também pela estrutura e pelos processos da mente.

O Adendo à nova edição de 1918 apresenta uma exploração mais aprofundada sobre a natureza do pensamento e da liberdade, bem como suas relações com a percepção e a moralidade. Steiner destaca que a experiência do ser que pensa é fundamentalmente diferente da experiência perceptiva, pois envolve a elaboração activa do mundo dos conceitos. Argumenta que, independentemente dos sentidos que os seres humanos possam ter, é o pensamento que confere realidade às percepções, permeando-as pelos conceitos. Enfatiza a importância da intuição na expansão do conhecimento, argumentando que o aprofundamento depende das forças intuitivas que vivem no pensar, e que a intuição é essencial para compreender a essência do pensamento.

Todavia, essa ideia de Steiner de que a intuição é a única ou a principal fonte de verdade pode ser questionada. Em uma época em que a racionalidade e a empiria são consideradas pedras angulares do conhecimento humano, a ênfase excessiva na intuição pode parecer problemática, pois tende a levar a conclusões subjectivas e não verificáveis.

Steiner também explora a relação entre auto-consciência, pensamento e sentimento, argumentando que o pensamento expressa-se inicialmente na percepção da identidade própria, mas que a auto-consciência surge quando os traços da actividade pensante afloram na consciência geral. Discute também a relação entre sentimento e percepção, destacando que o sentimento não é meramente subjectivo, mas pode representar uma realidade perfeita quando combinado com a percepção. Embora Steiner destaque a interacção entre esses aspectos da mente humana, sua análise tende a negligenciar a influência de factores inconscientes, sociais e culturais na formação da auto-consciência e dos sentimentos. Em uma era em que a psicologia e a neurociência estão cada vez mais a explora a natureza multifacetada da mente humana, a abordagem de Steiner inclina-se a parecer limitada ao enquadrar esses fenómenos de forma dicotómica.

No que diz respeito à moralidade, Steiner introduz o conceito de individualismo ético, que enfatiza a importância da intuição moral e da liberdade individual na tomada de decisões éticas. Argumenta que a verdadeira liberdade reside na capacidade de agir de acordo com as próprias intuições morais, em oposição à conformidade com normas morais externas. Discute também a relação entre liberdade e moralidade, destacando que os seres humanos são verdadeiramente livres apenas quando agem de acordo com suas próprias intuições e ideais morais. Argumenta que a moralidade não é imposta externamente, mas surge da capacidade dos seres humanos de se elevarem ao conteúdo ideal intuitivo do mundo, defendendo que a liberdade individual e a moralidade estão intrinsecamente ligadas.

Doravante, Steiner explora temas complexos relacionados à liberdade, monismo, finalidade do mundo, fantasia moral, individualidade e espécie, entre outros. Argumenta que tanto o realismo ingénuo quanto o metafísico negam a liberdade, defendendo o monismo como uma filosofia que reconhece as limitações metafísicas do ser humano ingénuo e descarta as limitações impostas por princípios externos de moralidade. Vê os seres humanos como seres em desenvolvimento e questiona se o estágio do espírito livre pode ser alcançado nesse processo.

Em relação à finalidade do mundo e ao propósito da vida, Steiner rejeita o conceito de finalidade em todos os âmbitos, excepto na actividade humana, afirmando que a vida humana tem apenas o propósito e a vocação que os próprios humanos lhe dão.

No contexto da fantasia moral, Steiner explora como os espíritos livres agem de acordo com impulsos escolhidos pelo pensar, enquanto os não livres são motivados por experiências anteriores. Defende que a acção moral pressupõe a capacidade de ter ideias morais, fantasia moral e a capacidade de transformar o mundo da percepção sem violar as leis naturais.

Steiner também discute o valor da vida, criticando o pessimismo schopenhaueriano e argumentando que a aspiração por ideais morais nos torna alegres, e que a ética não se baseia na erradicação do desejo pelo prazer, mas sim na busca por ideais morais.

Na discussão sobre individualidade e espécie, destaca a importância de reconhecer a individualidade dentro do contexto da espécie humana, defendendo que as mulheres devem ser tratadas como indivíduos, não como representantes de um género genérico. Todavia, essa discussão de Steiner também pode ser objecto de crítica por sua simplificação da questão da identidade de género e da diversidade dentro da espécie humana. Enquanto ele destaca a importância de tratar as mulheres como indivíduos, sua abordagem parece limitada ao sugerir que as mulheres devem ser tratadas como indivíduos separados de sua identidade de género. Em uma época em que a compreensão da diversidade de género e a luta pela igualdade de género estão cada vez mais presentes, uma abordagem mais inclusiva e sensível às questões de identidade de género parece ser necessária.

Por fim, Steiner explora as consequências do monismo, enfatizando que a liberdade é uma característica das acções que emanam das intuições da consciência, e que os seres humanos são os últimos determinantes de suas acções, sendo, portanto, livres.

Referências bibliográficas

Steiner, R. A Filosofia da liberdade: Fundamentos para uma filosofia moderna. Marcelo da Veiga (Trad.).