Na compreensão de Ricoeur (1990, p.21), o projecto hermenêutico de Schleiermacher porta consigo uma dupla marca, que é talvez a de toda hermenêutica, a marca romântica (Romantismo) e a marca crítica. É romântica por apelar a uma relação viva com o processo de criação e por postular que se deve compreender um autor tão bem, e mesmo melhor do que ele mesmo se compreendeu. Apresenta a marca criticr por pretender elaborar regras universais e válidas da compreensão e por se propor contra a não-compreensão que se assenta sob o adágio segundo o qual há hermenêutica onde houver não-compreensão.

Com Schleiermacher, trata-se de tornar o procedimento do compreender autónomo e não como auxiliar e subordinada à investigação da coisa em causa, como uma metodologia própria , também se trata de levar o problema hermenêutico à compreensão do discurso em geral, não só as obras escritas. Por isso, "o que deve ser compreendido não é a literalidade das palavras e seu sentido objectivo, mas também a individualidade de quem fala e, consequentemente, do autor (Gadamer, 2008, p.290). Desta feita, erguem-se no pensamento de Schleiermacher o paralelo de duas interpretações: gramatical e psicológica.

Para uma pretensão autónoma da metodologia, a hermenêutica de Schleiermacher demarca-se da filologia e da dogmática bíblica ; abrange a interpretação gramatical e psicológica, constituindo-se num comportamento divinatório: o intérprete transfere-se para dentro, para a trajectória interna da constituição completa do escritor ao fazer a obra. Assim, a compreensão é entendida como a reprodução e pós-construção do momento vivo em que se concebe a composição da obra ou texto 

Com Schleiermacher,  traço essencial do compreender resulta do todo. Com isso, o raciocínio circular sobre o primado do todo desenvolve que "a partir do todo deve-se entender o individual, e que o todo não pode ser dado antes do individual, o que constituiria um retrocesso ao cânone dogmático da compreensão da Escritura. Portanto, compreender é o ver-se constante no círculo do todo à parte e vice-versa. Ademais, o círculo sempre está ampliando , visto que o todo é relativo ; entende-se ainda que ao se integrar , o todo em contextos cada vez maiores afecta-se também a compreensão individual. 

 

- Gadamer, H. (2008). Verdade e método I (10 ed.). Rio de Janeiro: Vozes.

- Ricoeur, P. (1990). Interpretação e ideologias (4 ed.). Rio de Janeiro: F. Alves.