Por: Ergimino Pedro Mucale.


Este texto constitui, de alguma forma, o essencial do meu discurso oral proferido em Maputo, na Universidade Eduardo Mondlane, no dia 29 de Maio de 2013, perante cerca de 300 pessoas, pela ocasião do lançamento do meu primeiro livro, “Afrocentricidade: Complexidade e Liberdade”, editado pelas Paulinas. 


Pode ser que alguém tenha escrito um livro para ganhar dinheiro, para exibir-se, para escamotear a verdade, para vingar-se, etc. Este não é o meu caso. Longe de tê-lo escrito para arrogar-me o título de sábio, o livro Afrocentricidade: complexidade e liberdade é reflexo das minhas perplexidades, dúvidas, revoltas, mas também da afrofilia e filantropia. Escrevi este livro para defender uma causa, que é a liberdade. Parto da constatação de que os africanos, tal como muitos outros povos outrora vítimas do imperialismo ocidental, ainda não são efectivamente livres. Isto pode soar estranho se atendermos que já na década de 1960 volta de 17 países africanos lograram a sua independência ou se nos lembrarmos que no dia 25 de Junho de 1975 o primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, no acto da proclamação da Independência Nacional, disse que a Independência de Moçambique era “total e completa”. Mas um olhar sobre a história geral da África deixa claro que seria omissão crassa ou ignorância culposa admitir que estamos completamente livres.
 
Com efeito, hoje, é como se a África estendesse a mão ao Ocidente, consciente ou inconscientemente, para implorar uma nova colonização. No campo sociocultural, tem-se assistido ao sacrifício de valores culturais africanos genuínos em nome da modernidade e da globalização, que trazem consigo mais vícios do que virtudes. Isto passa pela adopção, pelos africanos, de estilos de vida alheios, imitação de padrões culturais da civilização dominante. No campo académico tem-se notado uma valorização dos programas ou modelos educacionais europeus mais do que de conteúdos autóctones. Mesmo em ciências humanas e sociais, tem-se adoptado uma visão eurocêntrica sobre os africanos, isto é, uma perspectiva que toma o africano como o “Outro”, como objecto da história ou como figurante ou marginalizado.
 
No campo político a realidade não é menos triste. Muitos políticos africanos seguram o leme, mas quem verdadeiramente pilota, isto é, quem determina a velocidade, as manobras e, às vezes, o destino da África, não são sempre nem genuinamente os africanos. Em nome de cooperação e de muitos outros pretextos, com beleza cosmética, tal como no passado, tem-se subdesenvolvido a África para se enriquecer o Ocidente. Aliás, a única cooperação que mais facilmente se tem visto é no sentido de tornar a África e os africanos cada vez mais dependentes para que possam cada vez mais necessitar do benfeitor-usurpador. Muitos africanos, incluindo académicos, sofrem de mazelas de colonização; ainda têm vertigens ou ressaca do fel colonial consumido durante quase cinco séculos. Bons filhos da educação colonial, aprenderam mais a subserviência do que a emancipação; conhecem mais a sua pretensa incapacidade do que a sua real capacidade. Frente a esta situação, a melhor escolha, sobretudo para os africanos, não pode não ser a Afrocentricidade.
 
A Afrocentricidade é um acto e palavra de encorajamento para que os africanos ousem sair da menoridade, da caverna a que foram submetidos pelo imperialismo ou qualquer das suas formas, sobretudo durante os cinco séculos de desumanização ocidental. Para a sua efectiva liberdade e não só, os africanos devem assumir-se como sujeitos e não objectos do seu devir histórico, o que significa que devem re-centrar-se em todos os níveis: cultural, social, académico, etc. e, a partir do seu centro, abrirem-se para o diálogo com outros povos e culturas. Acredito que este livro, que espero que me supere, não defende apenas uma causa. Ele mesmo será uma causa: pela qual serei condenado ou liberto, amado ou odiado. Ninguém me será indiferente.