Dentro de sua dimensão e relevância específicas, cabem algumas considerações a respeito do órgão que se ocupa das questões de recursos humanos, sua localização, suas dimensões, etc.

Em primeiro lugar, dentre as actividades realizadas em Recursos Humanos há aspectos cujo componente mais importante é de assessoria/consultoria, enquanto outros são voltados a actividades de execução. Em virtude disso, explicam-se algumas discussões que envolvem a localização do sector. A assessoria cuida de criar novas alternativas de trabalho, discutir o acerto de algumas políticas, conceber a avaliação criada como actividade realizada por parceiros internos à organização, ao passo que as actividades de execução são dirigidas ao fornecimento de dados para a elaboração de folhas de pagamento, à definição de faixas salariais, à preparação de manuais para a realização de concursos, etc.

Pode-se dizer que inicialmente havia nas organizações um departamento do pessoal, que se ocupava dos aspectos burocráticos e processuais, como anotação de frequência, férias, folha de pagamento, etc. Logo, esse tipo de unidade,
embora reconhecidamente importante (afinal, é onde se concentra um dos aspectos mais visíveis e mais sujeitos à reclamação em qualquer unidade de pessoal, o pagamento), devido à quantidade de “rotinas” envolvidas entre suas
tarefas, passou a ser considerada pouco nobre. Não se mudou sua composição nem sua estrutura, mas sugeriu-se a mudança de sua denominação, passando a chamar-se Recursos Humanos. Eventualmente, essa unidade passou a incorporar alguns aspectos de treinamento e desenvolvimento (muito mais treinamento que desenvolvimento), conseguindo ou não repassar aquelas actividades de menor apelo, consideradas como de menos especialização.

Outro nome atribuído a esse tipo de unidade foi “Relações Humanas”, mais ou menos ao mesmo tempo em que que se adoptava “Relações Industriais”. A ideia era infundir uma característica mais dinâmica à unidade, uma vez que o termo “relações” implica a existência de duas partes que interagem. Principalmente na área da saúde, o resultado foi a dicotomização da área, colocando a parte menos processual, dita mais nobre e mais profissional, em níveis mais elevados da organização, perto dos tomadores de decisão, enquanto o velho “Departamento do Pessoal”, burocrático e desvalorizado, continuava em baixos escalões, sem autoridade real no que diz respeito aos rumos da organização, com pessoal menos especializado e entre os últimos a se beneficiar de quaisquer inovações tecnológicas.

Até hoje costuma ser assim: em geral, não se privilegia a competência técnica dos que executam acções da chamada “administração de pessoal”. Já se reconhece a necessidade de advogados, para cuidar de problemas trabalhistas
potencialmente envolvidos na função, e de um ou outro administrador, mas o conhecimento especializado está longe de ser privilegiado nas organizações de saúde, principalmente no sector público. A consequência disso é clara: quanto menos importante é considerada a actividade de administração de pessoas, menos qualificadas as pessoas que trabalham nesse departamento e menos adequado o trabalho ali realizado, tornando-o o objecto mais frequente de reclamações (em geral, bastante justificadas).

Paradoxalmente, os primeiros esforços dirigidos à Administração da Qualidade das organizações partem do órgão de Recursos Humanos. “Qualidade” preconiza teoricamente a valorização do recurso humano, que depende, para ser competentemente realizada ou obtida, de técnicos não valorizados. É fácil compreender que esse tipo de unidade é um prestador de serviços, seja para a administração como um todo, seja para o próprio funcionário.

Quer essa afirmação seja verdade, quer não, toda a organização de saúde tem facilidade (até demais) em se identificar como prestadora de serviços para a administração (até mais facilmente que para os clientes externos, em última instância a razão de ser da organização). Tudo se torna mais obscuro quando entra em questão a prestação de serviços para os funcionários.

Nas organizações de concepção tradicional, como as públicas, observam-se resistências nos órgãos de Recursos Humanos a perceber que lá estão em primeiro lugar para servir os seus pares. No entanto, não há dúvida de que, se um cálculo errado implicar descontos indevidos, o único prejudicado é o funcionário cujo salário foi pago a menor, dando-lhe todo o direito de reclamar. Nessa reclamação rompe-se todo um pacto construído nas organizações tradicionais, em que coexistem o corpo operacional e o corpo gerencial, vistos como razoavelmente uniformes (mais do que o são na verdade). Nas grandes questões, as categorias se unem, “umas contra as outras”. Considera-se legítimo reclamar do chefe para um colega ou, mais raramente, de um colega para o chefe. Mas colocar em xeque
a competência de um colega? Quando os outros funcionários da organização visitam os colegas do “pessoal” sem o intuito de reclamar, frequentemente é para obter informações, tornando menos fluídas e desinteressadas as relações.

Mesmo que a ideia seja de simples coleguismo, aparece o estereótipo dos dois lados da relação, caracterizando um comportamento de cobranças bilaterais em vez do de cliente–fornecedor (preconizado pela Administração da Qualidade). O mais comum é discutir se há ou não culpa, de quem e por quê…

O primeiro passo para realizar a mudança é reconhecer a não-prioridade por parte dos decisores, nem do órgão, nem das actividades de administração de recursos humanos, talvez por considerar-se que esta costuma ser considerada
uma actividade externa ao “negócio” das organizações de saúde. Esse reconhecimento levou, em algumas organizações, à terceirização da actividade de administração de recursos humanos.

Trata-se de uma decisão estratégica, que tem seus prós e contras. Algumas organizações, privadas, já a experimentaram e voltaram atrás; outras a mantêm. Por exemplo, se for entregue a especialistas, a probabilidade de que os erros diminuam aumenta. Ao mesmo tempo, o fato de os especialistas não pertencerem à organização pode dificultar as reclamações, pois a eventual solidariedade existente nas outras condições tende a desaparecer.

Terceirizar gestão de pessoal implica definir claramente políticas e directrizes que devem ser passadas ao novo prestador de serviços, colocando um importante requisito para a organização. Ao mesmo tempo, obriga a organização a dispor de alguém especializado e situado próximo o suficiente das instâncias de poder, de modo
a avaliar as actividades realizadas externamente à organização sobre seus recursos mais críticos: as pessoas.

Não se trata de considerar a Administração de Recursos Humanos supérflua. Trata-se de, admitindo a necessidade de sua execução de maneira adequada, verificar a melhor maneira de fazê-lo, seja dispondo do serviço, seja comprando parte dele. A realização de um processo de selecção costuma ser desencadeada a partir da constatação de que faltam funcionários para determinadas funções. Assim, como executar a selecção? O órgão de Recursos Humanos pode, no máximo, elaborar questões e propor provas de carácter genérico, ou coordenar a realização dos componentes específicos. O mesmo raciocínio vale para a entrevista: o órgão de Recursos Humanos pode analisar apenas aspectos de apresentação geral e fluência, mas não saberá julgar posturas e comportamentos necessários para o desempenho de determinadas funções.

Se esse tipo de actividade precisa ser feito na própria organização ou não, é outra instância de decisão. Há algumas considerações a respeito do assunto que são específicas à área da saúde, em organizações definidas, em geral de âmbito mais restrito que uma prefeitura ou secretaria municipal. Por exemplo, em desenvolvimento de recursos
humanos é tradicional a existência de estruturas de enfermagem destinadas a esse fim. Frequentemente, se e quando existe unidade específica, ela se situa na enfermagem e não no órgão de Recursos Humanos; quando é localizada nesta unidade, é comandada por enfermeiros e, quando nenhuma das anteriores ocorre, formal ou informalmente costuma verificar-se a duplicação da estrutura da enfermagem. Tampouco é rara a situação em que todo o órgão de Recursos Humanos, seja de SILOS, de hospitais, de ministérios, etc., seja dirigido por um enfermeiro, sob diversas alegações, desde aquelas que pretendam que 60 por cento dos trabalhadores do sector pertencem a essa categoria até as que argumentam que são esses os profissionais mais preocupados com a qualidade da assistência, passando pela afirmação de que na formação de graduação do enfermeiro há carga horária sobre administração, com ênfase em aspectos de motivação, chefia e liderança. Há até a possibilidade de os profissionais de enfermagem de fato se dedicarem a estudar o que se convencionou chamar “administração de recursos humanos”. Não se pode afirmar a priori se essa solução é ou não adequada. No entanto, cabe propor discussões:

  1. Se essa é de facto a forma de utilização mais adequada para enfermeiros na área da saúde dos serviços latino-americanos, notadamente públicos;
  2. Se existe ou não a possibilidade de se ter na área profissionais especializados, como administradores, psicólogos e/ou advogados trabalhando em estreita parceria com técnicos da área da saúde, que continuariam vinculados prioritariamente à actividade fim;
  3. Se é conveniente ter à frente da área de Recursos Humanos um profissional técnico da área da saúde, enquanto porta-voz de seus pares, trabalhando com a assessoria dos profissionais especializados na actividade fim;
  4. Se é cabível admitir a premissa de que existe um rol de conhecimentos indispensáveis para ser gerente de Recursos Humanos ou se obtê-los faz parte da actividade gerencial.

Essas discussões fazem parte de um dos temas já tradicionais do cardápio da área da saúde: o corporativismo. Sob esse nome podem-se abrigar todos os preconceitos e pontos de vista de defesa de uma categoria e/ou de um grupo
profissional. A área de gestão de recursos humanos para a saúde é reconhecidamente corporativa, fenómeno bastante compreensível. Afinal, sempre é bom lembrar que as pessoas da organização não são valorizadas o suficiente (e a área da saúde não é excepção) e a unidade organizacional responsável por elas (ou, pelo menos, que as usa como justificativa para boa parte de suas decisões) pode se sentir tentada a assumir sua defesa. O problema ocorre se e quando algumas das decisões tomadas em seu nome terminam por não afectá-las ou por não resultar naquilo que elas esperavam.

Outros problemas emergem se e quando a área de Recursos Humanos se confunde e passa a se sentir como área fim, achando que as decisões organizacionais devem ser tomadas de acordo com a gestão dos recursos humanos.

Considerá-la como factor crítico para a factibilidade e viabilidade de quaisquer medidas empreendidas é importante, mas em qualquer organização deve prevalecer a lógica da actividade fim, mesmo se a premissa assumida é a de que
não se compreende mais a área de administração como aquela que deve moldar os trabalhadores às tarefas; pelo contrário, é aquela que deve garantir que as tarefas destinadas às pessoas sejam as mais adequadas a elas, como demonstrado na apresentação da função “aplicação”.

Essa ponderação sobre “o que cabe onde” se relaciona com situações específicas, condições de trabalho específicas e, certamente, será vista de maneira diferente sob o ponto de vista do gestor da organização, do gerente de Recursos
Humanos, do dirigente sindical e do trabalhador propriamente dito, além de ser necessário levar em conta a razão de ser do sector da saúde, a população.

Não basta haver um Departamento de Recursos Humanos ligado directamente ao decisor máximo da organização se ele não considerar necessário ouvir esse subordinado antes de tomar decisões de qualquer espécie. Ao mesmo tempo, a unidade pode ser subordinada a um chefe de secção, mas, se o decisor final da organização a valorizar, ela será ouvida sempre que necessário. O resultado final de sua actuação tenderá a ser causa e consequência dessas relações.

Finalmente, o quadro qualitativo e quantitativo de pessoal da unidade deverá ser construído da mesma forma que o de qualquer outra: há mais ou menos automação na área? Os parâmetros de cálculo podem ser definidos de acordo
com a necessidade de x funcionários dos Recursos Humanos para cada y funcionários da organização ou em consonância com as tarefas a serem de facto realizadas no sector e/ou com a utilização do modelo próprio ou de terceiro. Por exemplo, se actividades de treinamento e desenvolvimento forem executadas por “serviços próprios”, serão necessários mais profissionais do que se se delegar a especialistas a organização desse tipo de evento. Há que se lembrar ainda da necessidade de supervisão, que será tanto menor quanto maior for a qualificação dos trabalhadores da área.