Filosofia: Metafísica e Estética

Metafísica é uma das disciplinas fundamentais da filosofia. Os sistemas metafísicos, em sua forma clássica, tratam de problemas centrais da filosofia teórica: são tentativas de descrever os fundamentos, as condições, as leis, a estrutura básica, as causas ou princípios, bem como o sentido e a finalidade da realidade como um todo ou dos seres em geral.
 
Estética é um ramo da filosofia que tem por objetivo o estudo da natureza da beleza e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado beleza, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como: as diferentes formas de arte e da técnica artística; a ideia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo.
 
Entretanto, é sobre estes dois ramos da filosofia que o este trabalho visa abordar. Onde no seio do mesmo irá debruçar-se sobre vários aspectos inerentes a estes.

Noção e objecto da ontologia (ou metafísica geral)

Ser ou não ser, eis a questão fundamental da metafísica. Aristóteles
Etimologicamente, a palavra «ontologia» deriva de dois termos gregos: onto, que significa «ser», «ente», «indivíduo», e logia, que quer dizer «tratado», «saber», «estudo», «doutrina», «investigação». Neste sentido, a ontologia como metafísica geral é a parte da Filosofia que se ocupa dos problemas relativos ao ser enquanto ser, isto é, do ser na sua generalidade, e das qualidades ou propriedades que pertencem ao ser enquanto tal. Portanto, a ontologia ou metafísica geral é a filosofia do ser enquanto ser e não tomado nas suas partes; é o estudo do ser nas suas variadas formas.
O termo «ontologia» foi cunhado por Aristóteles no seu livro Metafísica IV, 1.
O que é um ser? Que qualidades podemos encontrar no ser? Por que princípios se rege o ser?
 
Destas e de outras perguntas similares se ocupa a ontologia. Por isso, constitui objecto de estudo da ontologia o ser enquanto é, mas somente enquanto é e não enquanto é isto ou aquilo, aquele ser determinado, mas sim o ser no geral. Neste sentido, o objecto da ontologia é abstracto e de máxima extensão, dado que abrange tudo quanto é, e de compreensão mínima, visto que se abstrai de qualquer propriedade particularizante. Portanto, diferentemente das demais ciências que se dedicam ao estudo das coisas que são isto ou aquilo, que têm esta ou aquela característica, esta ou aquela atitude comportamental, a ontologia estuda as coisas simplesmente enquanto são. E porque toda a realidade, encarada como ser, pode constituir objecto de indagação da ontologia, conclui-se que o seu objecto é a totalidade ôntica.
 
O Conceito de ser?
 
Ser é tudo quanto existe, independentemente do modo como é. Trata-se, pois, de uma noção quantitativamente genérica e complexa e qualitativamente menos compreensiva. Mas porquê? Por um lado, porque o conceito «ser» é um género supremo, daí que não exista um outro conceito que seja o seu género próximo, isto é, um conceito em que este se possa incluir como elemento e/ou espécie. E porque é um conceito que escapa a uma definição rigorosa, visto não possuir uma característica peculiar, a que os lógicos chamam diferença específica, que não seja o ser.
 
As categorias do ser: substância e acidente
Quando falamos das categorias do ser, referimo-nos às grandes divisões que o mesmo comporta.
 
De acordo com Aristóteles, o grande metafísico, existem dez categorias do ser, sendo que a primeira é a substância e as restantes nove são acidentes.
A substância, ou modo de ser substancial, é tudo «aquilo que é em si e por si e não em outra coisa»; é o substrato a partir do qual encontramos as qualidades ou os acidentes. É o que permanece como algo subsistente, que tem um ser próprio e que, por isso, não pode ser afirmado a propósito de um sujeito nem se encontra nele. São todas as coisas concretas e individuais: o homem, o cão, o lápis, o caderno, o pão.
 
Aristóteles distingue dois tipos de substâncias: a primeira e a segunda. Entende-se por substância primeira as coisas individualizadas, ou seja, os indivíduos na sua singularidade (este caderno, o João, o meu professor, a casa onde moro, a escola onde estudo, etc.) e a substância segunda, tudo quanto existe como pensamento (casa, escola, professor, caderno, homem, etc.). São conceitos que se traduzem em definições, ou seja, são as espécies e os géneros que nos permitem atribuir certas qualidades às coisas individualizadas, isto é, às substâncias primeiras (O João é um homem, aquela é a casa onde moro, etc.).
 
Assim, conclui-se que a substância primeira se refere a indivíduos singulares e concretos e a substância segunda diz respeito às espécies e géneros singulares e abstractos.
 
Pelo contrário, acidente é tudo aquilo que ocorre ou acontece, aquilo que para ser necessita de se apoiar numa substância e, por isso, pode afirmar-se de um sujeito, ser substanciado, uma vez que constitui a sua característica.
O acidente só existe na substância; é o predicado da substância, pois, não existe em si e por si. A sua existência está dependente de um outro ser no qual se pode consubstanciar o seu ser.
 
Se a substância é o que permanece no indivíduo, mesmo depois de este sofrer algumas vicissitudes e intempéries, o acidente é o que está sujeito a mudanças no indivíduo, é «aquilo que sucede ou acontece» no indivíduo na sua categoria de substância. É o que se diz da substância primeira, ou seja, do indivíduo na sua singularidade. Em suma, o acidente é o predicado de uma determinada substância, e não o contrário. Por isso, posso dizer que «a minha escola é linda», «Mataka é inteligente» e «o meu automóvel é veloz», e não o contrário.
 
Assim, distinguem-se dez categorias de ser, sendo que a primeira é a substância; as restantes nove constituem a classe dos acidentes. Quais são esses acidentes?
 
Qualidade — a forma ou determinação da substância (por exemplo, professor, inteligente, simpático, etc.).
 
Quantidade — a determinação da substância que permite atribuí-la a partes distintas das outras (por exemplo, grande, pequeno, 1,64 m de altura, 12 g, etc.).
 
Relação — a ligação ou referência que a substância, ou até o acidente, estabelece com outra substância ou acidente (por exemplo, pai, filho, primo, chefe, mestre, etc.).
 
Tempo — momento, ou ocasião, apropriado ou disponível para que uma coisa se realize, ou seja, curso de eventos extrínsecos que dura um determinado período (por exemplo, «Moçambique tornou-se independente no dia 25 de Junho de 1975», de manhã, ao meio-dia, à tarde, etc.).
 
Lugar — espaço que um corpo substanciado ocupa em relação a outros corpos (por exemplo, na escola, no mercado, no cinema, próximo da padaria, em casa, na sala, etc.).
 
Acão — o que a substância faz usando as suas faculdades ou poderes causando efeito em si mesma ou noutros corpos circundados por uma substância (por exemplo, dialogar, conduzir um automóvel, bater em alguém, etc.).
 
Estado — luxo, pompa, fausto, ostentação, magnificência, ou seja, conjunto de bens ou instrumentos que, por sua habilidade, complementam a natureza da substância, permitindo a preservação e conservação da mesma ou de outras substâncias corpóreas.
 
Posição — lugar ou postura relativa ocupada pela substância ou parte dela face a outras (por exemplo, sentado a 1er um romance, de pé a apreciar a paisagem, deitado a ouvir música, etc.).
 
Paixão — sentimento, ou emoção, desencadeado por um agente que, ao sobrepor-se à lucidez e à razão, provoca sofrimento numa determinada substância (por exemplo, a perda de um ente querido, a condenação de Sócrates, a crucificação de Cristo, o ferimento, etc.).
 
O Acto e a Potência
 
Aristóteles recorre a duas noções fundamentais para explicar o dinamismo do ser: potência e acto.
 
Entende-se por potência a possibilidade que uma matéria tem de vir a ser algo em acto; é o carácter dinâmico da matéria que lhe permite possuir um determinado modo de ser e que lhe confere a capacidade do devir. É assim que, por exemplo, a farinha de trigo é, em potência, um pão ou um bolo, ou seja, possui a capacidade de vir a ser algo que antes não era. Da mesma forma, o algodão que o camponês produz ainda não é um tecido, contudo possui em si a potência, isto é, a possibilidade de vir a ser um tecido, uns calções, umas calças, ou outra coisa. Se estou sentado a escrever, posso levantar-me e esticar os braços. Se sou aprendiz de filósofo, posso ou não vir a ser um filósofo.
 
Se a potência é a capacidade que permite ao ser mudar de actualidade, ou seja, o carácter dinâmico do ser, o acto é «o que faz ser aquilo que é», é o ser real, é o que o determina. Por isso, dizer que uma coisa está em acto é o mesmo que dizer que tal coisa tem actualidade ou existência, ou seja, que passou da potência de ser algo ao acto de ser. Por exemplo, a camisa do teu uniforme está em acto, isto é, existe actualmente, já não é aquele simples tecido que era antes de ser costurada pelo alfaiate.
 
Potência e acto são dois conceitos correlativos, pois, enquanto a potência explica a multiplicidade e a mudança, o acto explica a unidade do ser; enquanto a potência explica aquilo que a matéria ainda não é, mas pode vir a ser, o acto explica a sua real existência, o que a matéria já é efectivamente.
 
A Essência e a Existência
A essência e a existência são dois conceitos com significados ontológicos implicativos, tal como a substância e o acidente. Pois, para além da sua clara distinção, o conceito de essência é correlativo ao conceito de existência.
Em A Metafísica, VII, Aristóteles escreve: «a essência é o quê de uma coisa, isto é, não o que seja, mas aquilo que uma coisa é», ou seja, é o que é uma coisa, podendo caracterizá-la e distingui-la do que ela não é; é a qualidade ou determinação sem a qual uma coisa não seria o que factualmente é. A essência é, portanto, a substância segunda, ou seja, tudo quanto existe como pensamento. A essência refere-se, neste sentido, às características fundamentais da substância.
 
Ela não existe por si só, mas existe como pensamento. Se o conceito de essência é equivalente à substância segunda, a existência é a substância primeira. Por conseguinte, é na existência que o ser se manifesta e se revela enquanto realidade.
 
A existência é a actualização da essência; é a realidade, a substância em acto. Por isso, para Aristóteles, filósofo grego, a substância pode ser entendida como a existência, porquanto nela residem todas as propriedades que determinam um ente (tudo o que é de maneira concreta, fáctica ou actual).
A essência e a existência constituem dois princípios necessários e, ao mesmo tempo, complementares para a afirmação ou a constituição de qualquer ser, de tal forma que é inconcebível um ser sem essência ou um ser sem existência. Consequentemente, pensar num caderno não é o mesmo que ver um caderno, O caderno como pensamento não passa de uma ideia ou essência.
 
Já o caderno onde escrevo os meus apontamentos é algo existente, em acto. Portanto, existir significa «sair», «manifestar-se», «mostrar-se» e «revelar-se», e sai, manifesta-se e mostra-se somente aquilo que possui uma determinada essência. Por isso, era frequente ouvir, entre os filósofos clássicos, que a essência nada é sem a existência e a existência não é sem a essência. Daqui emergem duas correntes filosóficas modernas: o essencialismo e o existencialismo.
 
O essencialismo defende a primazia da essência sobre a existência — o ser define-se primeira mente e só depois se torna isto ou aquilo —, enquanto o existencialismo defende a primazia da existência sobre a essência, ou seja, uma pessoa não tem qualquer natureza ou conjunto de escolhas predeterminadas, pois é sempre livre para fazer novas escolhas e constituir-se como uma pessoa diferente.
 
O existencialismo, embora seja um tema antigo, teve o seu desenvolvimento, como corrente filosófica, na Europa, no período entre as duas grandes guerras mundiais, e as suas características fundamentais são as seguintes:
  • A valorização do indivíduo como algo irredutível, e não como algo insignificante e reduzido à sua totalidade. O que existe verdadeiramente é o indivíduo na sua singularidade, é o indivíduo singular, uno e irrepetível («existir» significa ser diferente). Por isso, no que diz respeito ao ser humano, «o homem primeiramente existe e só mais tarde se torna isto ou aquilo», ou seja, a existência precede a essência, como afirma Jean-Paul Sartre na sua obra O Ser e o Nada.
  • A valorização da liberdade do homem enquanto ser situado no universo. Se a essência é o pensamento, a existência é a manifestação do ser, ou seja, a liberdade que se afirma no ser contra todas as limitações impostas pela natureza. Portanto, o exercício da liberdade, enquanto manifestação do ser, não deve ser limitado pela natureza humana. Como afirma Sartre: 
«O homem está condenado a ser livre», isto é, o homem, enquanto manifestação do ser substanciado, ser corpóreo, é livre de se tornar o que quiser, uma vez que a sua construção é algo de permanente e constante enquanto ser situado no mundo. Neste sentido, ser homem significa ser capaz de construir a sua personalidade à medida que se vai buscando valores por si mesmo escolhidos e tomados como paradigmáticos.
 
A Cadeia Aristotélica de Causas
Se o ser é tudo quanto é, ou seja, tudo quanto existe e pode passar da potência ao acto e do imperfeito ao perfeito, há que procurar compreender esta força ou razão transformadora das coisas que confere um determinado modo de ser: a causa. A causa pode ser entendida como a condição da existência de qualquer coisa, ou seja, é tudo o que concorre para a produção de qualquer coisa. No entender de Aristóteles, os seres criados não têm a razão de ser em si mesmos e distingue quatro causas que concorrem para a produção de qualquer coisa:
  • Causa eficiente — condição do fenómeno que produz outro fenómeno, ou seja, aquilo que produz uma coisa; é o artífice que confere o ser que antes uma coisa não possuía (por exemplo, o carpinteiro que dá à madeira, a matéria-prima, a forma da carteira onde estás sentado).
  • Causa material — condição ou aquilo de que uma coisa é feita (para o caso da carteira onde estás sentado, a causa material seria a madeira).
  • Causa formal — a forma ou o aspecto que um determinado ser toma ou que é plasmado pelo seu criador (por exemplo, carteira retangular, quadrada, etc.).
  • Causa final — o propósito ou o objectivo com que uma coisa é feita (no caso da tua carteira, seria apoiar-te, colocando o teu material escolar sobre ela, permitindo-te escrever ou 1er).
 
A Metafísica e o Fim Último do Homem
Uma das grandes questões que o homem se vem colocando é a que diz respeito aos fins para os quais existe. Não há unanimidade sobre os fins para os quais o homem foi criado. No entanto, analisando as abordagens feitas pelos filósofos, parece haver uma visão teleológica para a existência humana.
Aristóteles, na obra Ética a Nicómaco, diz que toda a acção humana é feita em função de um fim. Esse fim é o bem. Para o filósofo, esse bem tem de ser soberano e o bem soberano é a felicidade. Portanto, ser feliz é o fim último da existência humana. A chave da felicidade compreende três realidades: prazer, ser cidadão livre e responsável e viver segundo a razão. 
 
Esta posição foi reiterada por Santo Agostinho, na época medieval. Para o hiponense, o homem é chamado a ser feliz. Mas o que se entende por felicidade? A felicidade não consiste na busca incessante de bens materiais. Consiste, sim, na busca de um bem permanente — Deus. S. Tomás de Aquino reconhece igualmente que o homem é o único ser que age em função de um fim.
 
O facto de o homem ser dono dos seus actos é o que o diferencia dos seres irracionais, razão por que só aquelas mesmas acções de que ele é senhor podem chamar-se humanas. Ora, é por ser dotado de razão e vontade que o homem tem domínio sobre os seus actos, e a faculdade ou potência conjunta de razão e vontade é o que se chama livre arbítrio. Com efeito, «todas as acções que procedem de uma potência são causadas por ela em razão de seu objecto» e o objecto da vontade não é senão o bem e o fim. «Logo, é necessário que todas as acções humanas tenham em vista um fim.» (A potência geradora das acções referidas é o homem.)
 
Dante atribui ao homem dois fins últimos: o fim sobrenatural (a salvação das almas individuais) e o fim natural (a felicidade terrena, com o atendimento das necessidades materiais e a formação das virtudes morais do homem como ser social).
Para o pensador moçambicano Brazão Mazula, o homem tem de agir de acordo com a ética da felicidade. O modelo da ética da felicidade baseia-se no trabalho duro, na criatividade e na honestidade, e não na acumulação ilícita de bens.
 
ESTÉTICA
«Para fazer arte verdadeira é preciso expressar aquilo que há em si mesmo.» Battista Mondin
 
Na era em que nos encontramos, há cada vez maior afirmação das culturas, a nível local. Uma das formas usadas para a manifestação da cultura é a estética. Estetiza-se o corpo, na dança, a paisagem, na pintura, o som, na música, os seres, na escultura.
Existem padrões para a manifestação artística? Em que consiste a beleza de uma obra de arte? Qual é a sua importância? Estas são apenas algumas das perguntas que podemos formular ao reflectirmos sobre a estética. Nas páginas que se seguem vamos reflectir sobre estas perguntas, à luz das experiências de filósofos que sobre ela reflectiram ao longo da História.
 
Conceito de Estética
A palavra «estética» vem do grego aisthetiké, que etimologicamente significa tudo o que pode ser percebido pelos sentidos. Atribui-se a sua origem igualmente à palavra grega aísthesis, que significa «sentido» ou «sensibilidade». Quando falamos de estética, referimo-nos à disciplina da Filosofia que se ocupa do estudo do belo.
Kant define a estética corno a ciência que trata das condições da percepção pelos sentidos.
 
Todavia, sabe-se que o sentido que se atribui à estética nos nossos dias (como teoria do belo e das suas manifestações através da arte) remonta a Alexander Baumgarten, filósofo alemão (1714-1762), o qual concebeu o belo como subjectivo e resultante da obra do homem.
 
O objecto de estudo da estética, enquanto ciência e teoria do belo, é o tipo de conhecimento adquirido pelos sentidos como bela arte. O seu conceito refere o campo da experiência humana que o leva a classificar um objecto como belo, agradável, em contradição com o que não é.
 
A estética, enquanto problemática filosófica, compreende os seguintes problemas, nomeadamente: a natureza da arte, o seu fim e a sua relação com as outras esferas da vida humana.
 
A Essência do Belo
O interesse e a reflexão dos filósofos sobre o belo remonta à Antiguidade Clássica.
 
Platão entendeu a arte como uma imitação da natureza, que é, por sua vez, cópia das ideias. O alvo da imitação é o belo.
 
Aristóteles, contradizendo o seu mestre Platão, afirma que a arte não é apenas a imitação da natureza. Trata-se não de uma mera reprodução da natureza, mas sim de uma reprodução com a intenção de a superar.
Para o italiano Gianbattista Vico (1668-1744), a arte é um modo fundamental e original de o homem se expressar numa determinada fase do seu desenvolvimento. O desenvolvimento viquiano do homem é composto por três etapas: a dos sentidos, a da fantasia e a da razão.
 
A arte é a expressão humana na fase da fantasia. Nesta fase, o homem exterioriza a sua percepção da realidade através de criações fantásticas: poemas, mitos, pinturas, etc.
Esta posição foi contestada por Kant, que nega que a arte seja imitação da natureza.
 
Numa obra de arte, a sensibilidade expressa o universal no particular, o inteligível no sensível, o número no fenómeno. Dito por outras palavras, pela obra de arte, o homem contempla realidades meta-empíricas que jamais seriam acessíveis à sua sensibilidade; estimula-se o prazer estético que deleita o homem.
 
A arte como a mais sublime expressão humana da natureza e do universo opõe-se à própria natureza que o homem pretende exprimir e interpretar. Quando é a simples manifestação do belo (obras belas), denomina-se belas-artes (designação comum às artes plásticas, sobretudo a pintura, a escultura e a arquitectura). Como afirma Platão em Fédon, sendo a beleza uma ideia absolutamente perfeita, é o fim em si e ama-se por si própria. Porém, quando a arte visa fins lucrativos, denomina-se artes úteis (são as artes mecânicas). Estes dois tipos de obras artísticas diferem um do outro, tal como o belo difere do útil. Pois se o belo se ama em virtude de si próprio, o útil ama-se em virtude do fim diferente de si mesmo. O útil é relativo.
 
 
O Belo Como Fundamento da Arte
O que é belo é subjectivo. Daí a dificuldade em chegar a um consenso sobre o que é belo ou sobre o que não o é. Portanto, parece ser óbvio que a classificação de uma obra de arte como bela é relativa. Com efeito, não se fala, hoje em dia, de valores universais. Não existem valores eternos comungados por todos os povos e em todos os tempos.
 
Como afirma Ferry, «A ética [...] fundamentando o belo numa faculdade demasiado subjectiva para que nela se possa facilmente encontrar alguma objectividade, a história da estética, pelo menos até aos finais do século XVIII, iria antes do relativismo à busca de critérios.»
 
A sociedade moderna procura compreender o universal a partir do particular. É uma sociedade epistemologicamente indutiva. Sendo assim, não era de esperar um consenso sobre a beleza das grandes obras de arte. Como constata Ferry, é no domínio da estética que a tensão entre o indivíduo e o colectivo, entre o subjectivo e o objectivo se faz sentir de uma maneira mais forte. O belo é o que nos reúne mais facilmente e mais misteriosamente. Daqui resulta a visão de que a obra de arte deve ser uma representação bela do mundo subjetivo do artista.
 
Divisão e Classificação das Artes
Partindo da sua finalidade, que é a utilidade e a expressão do belo, podemos dividir a arte em artes mecânicas (metalurgia e têxteis) e belas-artes. Enquanto nas artes mecânicas o artista está preocupado com a utilidade da sua obra, isto é, o lucro, nas belas-artes a preocupação funda mental do artista é a expressão do gosto pelo belo. Enquanto o belo se ama por si próprio, ou seja, pelo facto de ser belo, o útil ama-se não por aquilo que é, mas em razão da sua finalidade.
 
Portanto, o útil é sempre relativo, ao passo que a beleza é, como era proclamada por Platão, absoluta e perfeita.
As belas-artes classificam-se em artes plásticas e artes rítmicas. Vejamos estes grupos.
Artes plásticas — são as artes que exprimem a beleza sensível através do uso das formas e das cores.
 
Estas compreendem:
A escultura — que representa imagens plásticas em relevo total ou parcial e expressa senti mentos e atitudes através das formas vivas, buscando a perfeição e a beleza sublimes;
A pintura — que, pela combinação imaginativa e sensitiva das cores, exprime a percepção que o artista tem da natureza. A pintura supera a escultura, pelo menos no homem, pela maneira como fixa nele as suas expressões faciais;
A arquitectura — que, pela imaginação e criatividade, atinge e expressa a beleza com equilibradas e agradáveis proporções das massas pesadas.
As artes rítmicas (ou artes de movimento) — são artes que, na sua essência, produzem obras que exprimem a beleza mediante várias formas: sons, ritmos e movimentos. Estas, por sua vez, compreendem:
 
A poesia (ou seja, a arte literária) — com ritmo mais ou menos suavizado pelas rimas e palavras hamonizadas entre si, cria uma sensação agradável e é recitada ou lida em silêncio;
A música (arte musical) — expressa a beleza através de acordes vocais, melodias e ritmos ou batidas compassadas em tempos alternados. Com a simultaneidade de melodias, a música pode transmitir sentimentos de vária ordem, assim como uma crítica social. Através da música, o artista exprime o que lhe vem da alma, ou o que gostaria que fosse, mas não é;
A coreografia (ou a dança) — conhecida como arte mista ou arte da dança. Através de uma sequência de movimentos corporais realizados de forma rítmica, ao som da música ou do canto, o artista exprime o modo como vê, sente e encara o mundo à sua volta.
 
Significado e Valor Social das Produções Artísticas
As obras de arte retratam a vida quotidiana de uma sociedade. Por esta razão, em parte, as obras de arte não podem pretender representar o universal, porque constituem uma expressão da visão do mundo do artista. Como a arte representa a perceção do artista do mundo em que vive, torna-se a janela através da qual a sociedade nela se revê. Ou seja, a sociedade espelha-se nas obras de arte, porque estas são a sua representação.
 
Nem toda a gente tem a capacidade de fazer uma leitura crítica da sociedade ou de ter um olhar antecipado da realidade e o artista pode representar a sociedade de forma crítica. Este poderá igualmente intuir o que poderá vir a ser a sociedade futura.
 
A Arte e a Moral: (Relação Mútua)
Alguns filósofos, como Platão, Aristóteles e Vico, estabelecem de uma forma mais ou menos directa a relação da arte com a moral. Assim, condenam as obras de arte que julgam moralmente censuráveis.
 
Platão, o primeiro filósofo a tratar do problema estético, diz que a arte é fruto do amor que impele a alma para a imortalidade. Para atingi-la, a alma gera e procria o belo, antecipando, desta feita, a vida feliz. No mundo das ideias, a alma vive feliz mediante a contemplação da beleza subsistente. Para o alcance da felicidade, na vida terrena, a alma cria o belo através de imitações da beleza.
 
A moral ganha ainda maior importância pela sua relação com a moral. Platão assevera que a arte deve subordinar-se à moral. Por consequência, deve ser favorecida só a arte que é útil à educação. A arte que favorece corrupção deve ser condenada e excluída. Por esta razão, Platão condena a tragédia e a comédia porque são formas de arte imitativa que se afastam da verdade (do mundo das ideias) em vez de se aproximarem dela.
Três são as razões que levaram Platão a condenar as artes imitativas:
  1. Representam os deuses e heróis com paixões humanas, perdendo respeito;
  2. Não exprimem a ideia original das coisas (é uma imitação imperfeita e, por isso, distante da verdade);
  3. São fundadas nos sentimentos e não na razão. Agita as paixões, provocando o prazer e a dor.
A única arte digna de ser cultivada, no entender de Platão, é a música. Esta educa para o belo e forma a alma para a harmonia interior.
Kant diz, na Crítica da Razão Prática, que a razão humana não tem somente a capacidade de conhecer, tem igualmente a capacidade de determinar a vontade para agir moralmente. Portanto, o objetivo da segunda crítica é estudar como é que a razão determina a vontade para agir moralmente. Em Observações Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime, Kant atribui às virtudes adjectivos estéticos. São belas e atraentes a compaixão e a condescendência (virtudes presentes no homem de bom coração); é sublime a virtude genuína de um homem justo, de coração nobre.
 
Na crítica do juízo, Kant diz que um objecto pode ser agradável, belo ou bom. O nosso interesse é captado pelo que nos agrada ou pelo que é bom, mas não pelo que é belo. O belo proporciona-nos uma satisfação desinteressada e livre. Não procuramos o prazer estético, ele acontece-nos inesperadamente. É um prazer que não depende do nosso desejo. Nós somos surpreendidos pelas formas belas. Portanto, é preciso distinguir o estético do ético, cuja separação se manifesta através do interesse, ausente no primeiro e presente no segundo. Todavia, o belo e o bom são análogos, porque:
  • agradam imediatamente;
  • são universalmente partilháveis;
  • são inspirados por uma forma (forma de imaginação e forma da lei moral);
  • são livres (a vontade só depende das prescrições da razão).
Ponto de vista diferente e contestatário foi apresentado por Beneditto Croce. Este defende que a arte é absolutamente autónoma. Para que a arte seja arte verdadeira deve ser genuína expressão dos sentimentos íntimos do artista.
 
Segundo Mondin, «para fazer arte verdadeira é preciso expressar aquilo que há em si mesmo» e argumenta que «quem o exprime bem é o artista. Mas o homem e o artista são duas realidades diferentes. Para se ser artista, basta expressar bem os próprios sentimentos, enquanto o homem deve ser também moral, sábio e prático. Portanto, embora não esteja sujeito à moral como artista, o artista está sujeito à moral como homem». Como assevera Croce, «se a arte está aquém da moral, não está do lado de cá nem do lado de lá, mas sob o seu império está o artista enquanto homem, que aos deveres do homem não deve escapar, e a própria arte [...] deve ser considerada como uma missão e exercitada como um sacerdócio».
 
Portanto, a moralidade do artista é uma realidade imanente em si, como homem. Se o artista observar as normas morais, jamais produzirá obras suceptíveis de serem classificadas como imorais, pois a obra de arte é a expressão do sentimento íntimo do artista.
 
 
Bibliografia 

BIRIATE, Manuel Mussa, GEQUE, Eduardo R. G., Pré-Universitário – Filosofia 12, 1ª ed. Pearson Moçambique, Lda, Maputo, 2014

ARISTÓTELES, Metafísica, Coimbra. Ed. Atlântida, 1979

CASINI, P., A Filosofia da Natureza, Lisboa, Ed. Presença, 1979 

SARTRE, Jean-Paul, O Existencialismo é um Humanismo, Lisboa, Ed. Presença, 1962

MONDIN, Battista, Introdução à Filosofia: Problemas, Sistemas, Autores, Obras, São Paulo, Ed. Paulinas, 1981

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