A origem dos germanos é incerta. Basicamente existem três hipóteses. Alguns estudiosos alemães acreditam que os germanos sejam indo-europeus vindos da Rússia oriental. Outros consideram-nos como nórdicos que ocupavam as regiões escandinavas e bálticas e estavam isolados pela floresta germânica. Na Idade do Bronze, estes povos receberam o aporte de outros povos, dos quais adotaram a língua indo-europeia. A civilização germânica estaria influenciada pelos celtas e ilírios, e até pelos povos mediterrâneos. Esta hipótese é a mais aceitável pela historiografia. A última foi formulada por Tácito, que os vê como autóctones.
Os autores latinos elaboraram diversas classificações dos germanos: Plínio adotou o critério topográfico – vandili (compreende os burgundiones, os varini, os charini e os gu- tones), istaeones (povo único de nome modificado, os sicam¬brios), ingaevones (compreende os cimbri, os teutones e os chauci), hermiones (compreende os suebi, os hermunduri, os chetti e os cherusci) e peucini ou basternae. Por sua vez, Tácito seguiu a genealogia mítica: o progenitor comum, manuus (homem), e seus três filhos, antepassados dos ingaevones, hermiones e istaevones.
A maioria das tentativas de classificação das tribos baseou-se na origem genealógica, efetuadas por historiadores interessados, principalmente, no aspecto etnológico, desde Estrabão até Tácito. Porém, diferem entre si na denominação das tribos e nem coincidem nos grandes grupos. Estas divergências expressam talvez as sucessivas fases do desenvolvimento histórico.
A historiografia moderna utiliza-se de duas categorias: geográfica e linguística. Riché e Lot, apesar de adotarem a geográfica, diferem nas suas classificações. O primeiro analisa o momento da invasão do século V e divide os povos germânicos em três grupos. No leste, os godos, vindos do Báltico, na Ucrânia, no século lII, repartem-se em visigodos (godos “sábios”), a oeste do Dnieper, e em ostrogodos (godos “brilhantes”), a leste do mesmo rio. Há ainda os gépidos, que descem do Báltico e se instalam sobre a Thiza, não longe dos vândalos hasdings.
Os vândalos silings, por sua vez, ocupam a Silésia e comprimem os marcomanos na Baviera. Os burgundios, originários talvez da ilha báltica de Bornholm (borghundarholm), empurrados pelos gépidos, encaminham-se do Oder em direção ao Reno. No outro grupo, a oeste, estão os alamanos, congregando diversos povos (alimann), que se estabelecem sobre o Main.
Os francos absorvem os sicambrios, chamavos, bructeros, chattos etc. e dividem-se em dois seg¬mentos: ripuários, sobre a margem do Rena, de Bonn a Colônia, e sálios, entre o Reno e o Escalda. O último grupo, localizado ao norte, seria o dos escandinavos, anglos, varnes e jutos. Entre a foz do Elba e do Weser, instalam-se os saxões e frísios, e, mais a leste, entre o Elba e o Oder, os lombardos.
Lot opta por urna bipartição: germanos ocidentais e os setentrionais e orientais. Os primeiros se subdividiriam em ingaevones (cimbrios, teutões, anglos, varnes, saxões e frísios), na península da Jutlândia; istaeones (francos: sicambrios, chamavos, sálios…), no sul da Jutlândia e parte das costas do mar do Norte, herrniones (batavos, cheruscos, chattos), ao sul dos estalones; suevos (marcomanos, quados, turíngios e alamanos), no centro da Alemanha e Bohemia. No segundo grupo há lugues, no Báltico (século I), dos quais os vândalos constituem um ramo; borgonheses, na foz do Oder e Vístula; godos e gépidos, no Baixo Vístula, Cárpatos e mar Negro (século lI); rugios, na Pomerânia (século II); lombardos, no Baixo Elba; bastamos e sciras, no Olbia (século II); hérulos, vizinhos dos rugios.
A distinção pela língua desenvolveu-se a partir da gramática comparada, no começo do século XIX. Tradicionalmente, divide-se em três dialetos: nórdico (escandinavo antigo e línguas modernas surgidas a partir dele), ósticos (burgúndio, vândalo, rugio, bastamo, todos desaparecidos) e avésticos (francos, alamanos, bávaros, lombardos, anglos, saxões, frísios; alemão, holandês e inglês modernos). Contudo, esta classificação está sofrendo uma revisão, em vista da proximidade relativa do nórdico com o gótico e dialetos afins, originando o seguinte esquema: germânico continental (francos, alamanos, bávaros, lombardos…); germânico do mar do Norte (anglo-saxão, frísio) e talvez um germânico do Elba; por fim, godo-escandinavo (dialetos nórdicos e ósticos na classificação tradicional).
Apesar de tudo, continua ainda em questão quais eram os povos que estavam compreendidos nos diversos grupos existentes. Sobre isto é difícil chegar a um acordo nas circunstâncias atuais, pois as grandes divisões, que da literatura antiga surgiram, fundamentaram-se em princípios distintos e compreendiam somente urna parte de toda a Germânia.
De fato, existem muitas possibilidades de classificação segundo a importância que se concedeu, e ainda se concede, ao idioma, origem, tradição tribal, determinadas instituições da vida social e do culto, e, sobretudo também, à própria ordenação dos grupos. Somente quando a transmissão de dados da tradição se realizou sob condições muito favoráveis é que foi possível incorporar com exatidão a um mapa moderno o catálogo de povos da Antiguidade e combiná-los com os estudos de classificação arqueológica.
Organização social dos bárbaros germânicos
Os germanos desconheciam Estado e cidade. Sua vida social estava centrada na comunidade, na tribo, no clã, enfim, na família, em que o indivíduo encontrava sua razão de ser. A base de toda a estrutura social estava na sippe (comunidade de linhagem que assegurava a proteção ao grupo de pessoas sob sua autoridade). Numa posição superior estava a centena (fundamentada no distrito ou gau), organismo com funções judiciais e de recrutamento militar.
Dentro da família, o pai exercia autoridade absoluta sobre esposa e filhos: a infidelidade feminina era castigada com a morte e repúdio, já que a mulher era a guardiã da pureza; as filhas, sempre tuteladas, passavam da autoridade paterna para a do marido através da venda e em troca de um dote (animais ou armas); os filhos encontravam-se, até os dez ou quinze anos, sob a autoridade do pai e ocupados com tare¬fas domésticas e o cultivo da terra, quando então eram armados como guerreiros pelo seu progenitor para integrarem a corte do chefe.
Mesmo assim, o jovem continuava juridi¬camente na sua família, que era responsável por suas faltas, dívidas e vingança. A mulher participava intensamente da vida do marido. Quando do casamento, a esposa tornava-se en¬carregada da transmissão ao filho do seu dote em armas e animais e dava uma arma ao esposo para mostrar que estava pronta a dividir o perigo da ocupação de guerreiro.
A solidariedade familiar era também comprovada pelo pagamento das dívidas, liquidação do wergeld (preço do sangue) ou compensação pecuniária, quando eram criminosos, e vingança, quando eram vítimas, através da guerra pri¬vada (faida). O wergeld foi criado para diminuir os excessos da vingança privada e restabelecer a ordem desejada pelos deuses. Para isso, estipulava-se uma quantia proporcional à importância do delito ou à posição social da vítima. Podia inclusive haver transmissão de dívidas, como ocorria com os sálios (chrenecruda).
O elemento social fundamental eram os homens livres, os guerreiros, cuja morte implicava uma indenização elevada. Além de portarem armas, tinham o direito de expor nas assembléias sua opinião. Em um escalão inferior, estavam os semilivres, oriundos. de povos vencidos. Eram numerosos, mas talvez não constituíssem maioria em todos os lugares. Por último havia os escravos, domésticos ou dedicados ao cultivo das terras. Eram cativos, prisioneiros de guerra ou devedores insolventes, que estavam ligados à cultura do• solo. Podiam ser resgatados, tornando-se semilivres; porém, não faziam parte do povo germânico, pois somente uma família dava ao germano possibilidade de ser livre. Riché acrescenta uma aristocracia de nascimento (linhagem) ou de valor, proprietária da maior parte das terras que dirigiria a tribo (adalingi). Este grupo tinha a prerrogativa de servir nas tropas de cavalaria, influência da vizinhança dos povos iranianos que faziam grande uso do cavalo. O considerável grau de influência da nobreza germânica pelo viver daquele povo de ginetes pode ser evidenciado pela situação que se apresentou na época das grandes “invasões bárbaras”. Porém, Musset considera duvidosa a existência, em muitos povos, de uma nobreza estranha às famílias reais.
Organização política dos bárbaros germânicos
O caráter militar é o traço mais típico da sociedade germânica. A guerra era a razão de ser do germano, que devia sempre estar preparado para o ataque. Suas armas eram principalmente ofensivas: lanças, espadas longas com duplo corte e machados. A organização dos exércitos “bárbaros” descansava no serviço de todos os homens livres em estado de combater, equipar-se e alimentar-se, pelo menos, para uma curta expedição. As mulheres também davam sua contribuição, incentivando os guerreiros. Estes, caso fossem vencidos, se matavam no campo de batalha ou se entrincheiravam nas fortalezas da floresta, esperando uma nova ocasião. Os achados arqueológicos confirmaram toda essa belicosidade, pois nos túmulos encontraram-se grandes quantidades de armas.
Uma das principais atividades dos germanos estava ligada à guerra: a metalurgia das armas, arte na qual eram insuperáveis. Esta superioridade técnica proporcionava uma vantagem garantida aos germanos nas guerras que empreen-diam. Somada à técnica, havia também a estratégia. Tácito, ao se referir aos chattos, revela que possuíam um autêntico exército profissional provido de um corpo de engenheiros e dotado de perícia para manobrar, fortificar-se sobre o pró-prio terreno e escolher os chefes mais capazes.
Os objetivos fundamentais eram de ordem militar, e as únicas subdivisões sólidas encontravam-se no exército. A base da hierarquia social caracterizava-se por uma instituição essencialmente guerreira, o séquito (comitatus), formado pelos chefes que congregavam grupos de jovens guerreiros que haviam prestado juramento e cuja fidelidade tinha sido provada. Os chefes e seus jovens companheiros eram organizados para o combate por tribos. Posteriormente, adotaram-se as divisões territoriais. O mando estava nas mãos de chefes hereditários ou dos ricos que se achavam à cabeça de um im¬portante comitatus. Criava-se assim um setor de pessoas dependentes e um grupo de homens livres para o serviço de armas na guerra e nas expedições de botim. O enriquecimento dos chefes favoreceu sua transformação em proprietários. Deste setor, surgiu o grupo dirigente da formação política, seja em uma espécie de principado ou em forma de monarquia. Foi desta nobreza que saíram os chefes do exército da época tardia.
Em tempo de paz, os poderosos somente tinham a autoridade que lhe conferiam sua influência social e número de fiéis. Os reis acrescentavam à sua autoridade o prestígio religioso. Porém, o verdadeiro poder pertencia à assembléia local de homens livres (mallus), que era celebrada periodicamente ao ar livre. Uma vez por ano, os grupos se reuniam em um lugar sagrado, perto de uma árvore ou montanha, para discutir a eleição do chefe, empreender a guerra ou julgar con-tendas entre as tribos.
Em tempo de guerra, os chefes hereditários ou escolhidos (duces) tinham um poder quase absoluto, exceto no que diz respeito aos direitos elementares, como o botim. A rivalidade entre os clãs originou,..se dos esforços em obter influência na direção dos grupos políticos, o que ocasionava duradouras guerras.
Na época das invasões, os povos germânicos apresentavam-se distintamente do que retratou Tácito. Alguns constituíram-se em células elementares muito coerentes, mas pouco numerosas, enquanto outros formavam vastas confedera-ções, constantemente sujeitas à absorção ou dissolução. Havia também graus intermediários. Nessas associações maiores entravam vários elementosaglutinadores: sociológicos (comunidade de antepassados, matrimônios mistos), religiosos (comunidade de culto), geográficos (região habitada), lingüísticos (particularidades dialetais), econô¬micos (botim) e étnicos. Contudo, na maioria das vezes, o determinante era político. Quase todos os povos que divi¬diram o saque do Império tiveram como agregador uma realeza dinástica, o que não era um traço primitivo dos germanos segundo Tácito e César. Estes falavam em suas obras de numerosos povos “republicanos”. A monarquia era uma instituição que dominava na parte oriental do limes imperial.
A luta com Roma e a divisão dos despojos favoreceram a realeza. Esta tinha um duplo caráter: religioso e militar, cuja intensidade de cada tipo de poder variava de acordo com o povo.
A sobrevivência das confederações, sobretudo as maiores, dependia do sucesso que obtinham. Repetidos fracassos acarretavam a dissolução e o desaparecimento de seu nome. Seus componentes ganhavam sua liberdade ou entravam para outros agrupamentos. Estes podiam ser de dois tipos: um grupo reduzido, que defendia o seu nome e a dinastia, e outro composto de camadas externas supostas. O primeiro, por sua extensão, era mais fácil de ser aniquilado; porém, enquanto subsistia, era dotado de forte “consciência étnica”.
Organização econômica dos bárbaros germânicos
Os germanos eram simultaneamente guerreiros e camponeses, situação esta figurada no seu instrumento, a frâncica, que não era apenas uma lança, pois servia igualmente para o arroteamento. As guerras tinham freqüentemente como objetivo a conquista de novas terras e a aquisição de mão-de-obra servil. Na época das colheitas, interrompiam-se as guerras.
A vida econômica era muito diversa segundo a região. Os saxões e frísios,habitantes das planícies úmidas, praticavam a pecuária bovina. Os germanos dos bosques faziam, em áreas queimadas, um cultivo mais ou menos intermitente, organizado pela coletividade; os das estepes concediam grande importância à criação eqüestre. Assim, os germanos viviam da pecuária (bois, cavalos e ovelhas) e agricultura, jun¬tamente com a pesca e a caça.
O rebanho (uma espécie de bem da c.omuna) pastava na terra em pousio. De acordo com a região, cultivava-se, com uma técnica rudimentar, trigo, aveia ou linho, a cada dois ou três anos. As condições de solo não ajudavam.
Os germa¬nos instalavam-se em clareiras por alguns anos, onde arroteavam o terreno com pesadas charruas. Esgotadas as terras, procuravam novas. Riché vê este seminomadismo como uma explicação para o fracasso de os germanos formarem um Estado estável. A existência de ricas terras ultrapassando o li¬mes imperial (Reno e Danúbio) foi uma motivação para as invasões. Para cultivar o solo, empregavam-se os antigos prisioneiros de guerra, transformados em escravos ou semilivres. Nessa atividade, deve-se destacar ainda a participação da mulher, que se ocupava desse afazer enquanto os homens estavam nas guerras. Apenas os homens livres possuíam a terra. Apesar da existência da propriedade individual, a exploração das terras era sempre coletiva, devido às condições da agricultura, que exigiam um acordo de alternância da pecuá¬ria com o cultivo. Da terra os germanos tiravam os meios para sua alimentação, habitação (barro ou madeira) e vestimenta.
O artesanato era modesto, principalmente a cerâmiclt e a tecelagem. Desenvolveu-se a atividade de metalurgia, por ser essencial à guerra para confecção de armas, carros de combate e barcos. Os germanos tinham uma técnica apurada, em que empregavam o endurecimento do aço pelo azote. Havia inclusive façanhas lendárias envolvendo ferreiros (Mimir e Wieland).
A ourivesaria era outra atividade em que os germanos se destacaram devido ao seu caráter decorativo. Fíbulas, placas de cinturões e outros artefatos possuíam suas superfícies totalmente decoradas com figuras de animais estilizados ou com abstrações geométricas (círculos, cruz gamada ete.). A ilustração zoomórfica era característica da “arte das estepes” transmitida aos gados e, depois, aos outros germanos, pelos sármatas.
As atividades comerciais existiam, há longo tempo, entre os povos nórdicos e mediterrâneos, e, cada vez mais, se voltavam para o Império Romano. Apesar da penetração de moedas romanas em grande quantidade na Germânia e Es-candinávia, elas não foram utilizadas para troca, pois o padrão era ainda o gado ou as barras ou argolas de metal precioso. Essa região continuava refratária à vida urbana.
Religião dos bárbaros germânicos
É difícil afirmar se houve uma unidade religiosa entre os germanos. Ignora-se o culto de alguns povos essenciais, como os godos. As fontes escasseiam no período entre Tácito e as missões cristãs. Assim, há informações muito antigas (César e Tácito) ou mais recentes (Edda escandinava). Con¬tudo, os trabalhos arqueológicos ajudam na elucidaçãodeste quadro.
De uma primeira época, César mostra a grande diferença entre os galos e os germanos ao se referir à existência de um corpo sacerdotal entre os primeiros (druidas). Os germa¬nos não tinham uma casta sacerdotal; entretanto, alguns deles podiam ter a função de “padre”, o que não durou muito tempo. Estes foram substituídos pelos pais de família ou chefes de tribo quando das assembléias ou libações rituais de vinho. Eram os chefes das famílias que dirigiam os sacrifícios domésticos. As mulheres tinham um papel de destaque como profetisas (por exemplo, Véleda) ou mágicas. Tanto os “padres” como essas mulheres conheciam o caráter secreto das runas (escritura germânica). Parece que tinham um va¬lor decorativo e mágico para a proteção dos guerreiros, Esses sinais eram gravados em madeira, armas, jóias ou pedras, resguardando seus portadores.
Não havia templos. Os rituais ocorriam nos bosques sagrados, picos de montanhas ou próximos de fontes ou árvores, em certas datas (solstício, lua nova). Praticavam-se então sacrifícios animais ou humanos, presididos pelos “padres”.
Havia três reuniões anuais para obter boa colheita, cresci¬mento das plantas e vitórias nas guerras. Estas também podiam ser comemoradas com sacrifícios de armas e prisioneiros. Faziam-se procissões com carros de combate, bem como algumas práticas adivinhatórias.
Os germanos adoravam essencialmente a natureza e suas forças, que atuavam como em um campo de batalha, em que se defrontavam os deuses. O espírito belicista desse povo não poderia estar ausente da sua religião. Encontravam-se no panteão germânico grandes figuras divinas, tais como: Wotan (ou Odin), que preside o comércio, combates e tempestades – deus aristocrático por excelência; Tiwaz, que dirige o céu e protege as assembléias; Donar (ou Thor), senhor dos raios e que é invocado antes de ir à guerra; Nerthus, a deusa da fecundidade, festejada na primavera (sempre presente nas so¬ciedades agrárias); Freya, divindade do amor e do fogo. Al¬guns desses nomes estão presentes no calendário: terça-feira é o dia de Tiwaz (Tuesday), quinta-feira, de Danar (Thursday) e sexta-feira de Freya (Friday). Igualmente existem numerosos seres invisíveis, espíritos e gigantes, expressos na literatura germânica. Entre os espíritos malignos, sobressai Loki, que, com a ajuda dos deuses, criou o homem, dotando-o assim de uma parte boa e outra má. Tácito revelou a existência de poemas, cantos heróicos e mitológicos, invocando alguns heróis em relação direta com os deuses: Tuisto, Buri, Marin e Ingo.
A religião germânica caracterizava-se por quatro elementos: o caráter escatológico, pois tudo foi criado e, portanto, devia terminar, sejam deuses ou homens; o pensamento fa¬talista, ao prever que a grande batalha entre os deuses e os espíritos malignos aniquilaria a todos; a crença em uma vida após a morte (Walhalla e Hel), expressa na incineração ou inumação com os utensílios, armas e adornos dos mortos; o espírito bélico, próprio de uma aristocracia guerreira, que privilegia os sentimentos de honra e fidelidade, recompensando-os guerreiros, quando mortos em batalha, com uma vida entre os deuses no Walhalla, levado-os pelas valquírias donzelas guerreiras filhas de Wotan, o referido fatalismo foi atenuado com a esperança de surgir um mundo de paz, após a guerra final, no que ressuscitariam os filhos dos deuses e homens. Contudo, nessa existência predominava a guerra e a morte.
Aspectos culturais dos bárbaros germânicos
A produção artística e cultural dos germanos estava profundamente interligada ao seu espírito guerreiro. No decorrer dos banquetes, os cantores improvisavam poemas épicos em honra aos heróis germânicos. A epopeia e a lenda dos heróis germânicos vinculavam-se à mitologia germânica acima descrita. Os cantos épicos constituíam uma manifestação das virtudes valorizadas por esse povo. No centro desta epopeia, ressaltava-se o herói, descendente de um personagem divino.
Cada tribo ou clã tinha sua saga, espécie de lenda em que se fazia uma recordação gloriosa dos antepassados. Era a expressão literária mais elementar. Mitre cita a tipologia elaborada por Gonzague Reynold para classificar essas manifestações poéticas centradas nos heróis. Assim, apresentaram-se cinco ciclos: ostrogóticos (Ermanarico e Teodorico); franco (Sigfrido); burgundio (Gunther e seus irmãos e a heroína Kriemhild); lombardo (rei Rothari, Ortmit, Hugdietrich e sua filha Woldfdietrich); aquitânio (Walter ou Gouthier). Estes compõem os ciclos da Germânia do continente. Faltam, contudo, os ciclos da Germânia do mar, com os poemas de Kudrun e Boewulf, os dois de origem danesa. O poema dos nibelungos, expressão significativa da epopéia germânica, foi imortalizado e popularizado pela orquestração do compositor alemão Wagner, no século XIX.
Os caracteres rúnicos, originados na Dinamarca, no século lI, e por influência mediterrânea, possuíam muito mais uma função mágica do que de escrita. Sem prestar grandes serviços à vida intelectual, subsistiu no continente até o século VII, na Inglaterra até o IX e na Escandinávia até o XV. Com a conversão dos godos ao arianismo, no século IV, surgiu um tipo de alfabeto inspirado no grego e no rúnico. Este foi criado pelo bispo ariano Ulfilas ou Wulfila (311-383), que traduziu a Bíblia em língua gótica, facilitando assim a sua tarefa religiosa.
A ourivesaria, como exposto anteriormente, teve seu papel de destaque como uma das mais importantes manifestações artísticas dos germanos. A destreza e o gosto germânicos se revelam com grande esplendor nessa arte, na qual foram mestres.